terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Teologia do Espírito Santo


Pe. Márcio Pinheiro

As Sagradas Escrituras começam pelas origens. Destacam que tudo era desolação e nada, águas impetuosas e trevas: morte. Mas o Espírito de Deus pairou sobre as águas: a vida. Com estas imagens, os sábios de Israel querem dizer que Deus está em tudo e acima de tudo o que vive, se desenvolve e cresce sobre a terra. O seu Espírito é o penhor de que a criação nunca está privada de Deus: não está abandonada ao acaso nem – a fortiori – a espíritos maléficos. Os símbolos do Espírito São a água, o fogo, a nuvem, o sopro e o vento. Por vezes é comparado a uma pomba e é assim representado, porque se manifestou sob esta forma no Batismo de Jesus. Para os homens dos tempos bíblicos e ainda para os de hoje – a pompa é a imagem da paz e do amor que se torna visível[1].
Segundo Santo Irineu de Lyon (130-208) Deus confiou à Igreja o "Espírito, dom de Deus" (Jo 4,10) a fim de que todos os membros da Igreja possam dele participar e por ele ser vivificados. O Apóstolo Paulo, neste sentido, fala que o Espírito Santo, penhor do dom da incorruptibilidade, confirmação da nossa fé e escada para a nossa ascensão até Deus, suscitou "Na Igreja, apóstolos, profetas, doutores" e todos os outros (1 Co 12,28.11). Assim onde estiver a Igreja, está também o Espírito Santo; e onde está o Espírito de Deus, está também a Igreja e toda a graça. E o Espírito é Verdade (1 Jo 5,6)[2].
De acordo com Yves Congar o termo Ruah aparece no Antigo Testamento 378 vezes e significa, vento, sopro, sede do conhecimento, força de vida de Deus que age tanto no plano físico como no espiritual; o Espírito Santo é visto sempre na sua unidade. Mesmo no uso grego “pneuma” não sugere separação entre “alma e corpo[3]”.
            No Novo Testamento vemos a relação entre o Espírito e o evento Cristo: ele foi concebido (Lc 1.35), ungido (Lc 4,21) e age (Jo 8,28-29 na força do Espírito... Jesus promete (Jo 14-17) e concede Espírito Santo (Jo 14,13-14; 7,37-39; 19,30.34). A pregação da Igreja é obra e ação do Espírito Santo (Gl 3,2). Todos são chamados à vida no Espírito (Rm 7,6; 8) e em Cristo (1Cor 12,13; Ef 1,20-23; Cl 1,15-20). Paulo destaca que o Espírito já não é uma simples “força divina”, mas uma “pessoa divina”, enquanto que João apresenta Jesus como àquele que concede e anuncia o envio do Espírito Paráclito.
Segundo os concílios ecumênicos há três “pessoas” em Deus (em grego, hipóstasis) e uma “natureza” ou “substância” (em grego, ousía). Há três pessoas diferentes em Deus. Não há três deuses, mas três pessoas. As três pessoas são iguais. Todas são Deus e têm a natureza divina. Não há uma que seja inferior à outra quanto à sua natureza divina. Todas são igualmente divinas[4].
            O Espírito Santo é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. É um mistério. Não podemos ver, reter nem mostrar. Não podemos dispor dele, porque ele é Deus e age secretamente no mundo e nos corações. Mas podemos experimentar a sua existência e a sua ação: quando um homem ou uma mulher fala de Deus de tal maneira que os outros abraçam a fé. Quando alguém sofre ou dá a sua vida pelo Evangelho. Quando alguém respira paz e alegria, quando promove a justiça ou se dedica ao serviço dos outros. Quando duas pessoas enterram a acha de guerra e se reconciliam. Quando alguém agiu mal e repara suas faltas. Quando uma pessoa, amargurada pelo ódio, começa a perdoar e amar. Quando alguém, que só pensava em si, abre os olhos para o sofrimento dos outros. Quando uma pessoa se compromete a serviço dos outros, pedindo que se respeite a flora e a fauna, a água e o ar – a vida posta em perigo pelo homem[5]...
            Diante do exposto, podemos afirmar que o Espírito Santo, mistério e presença, é a força motora de toda a ação missionária da Igreja. Ele impulsiona-nos à ação e, ao mesmo tempo, age em nós e nas pessoas, de forma a realizarmos a vontade de Deus. O Espírito Santo é a alma da Igreja, é como que o combustível que nos mantém vivos e atuantes enquanto cristãos - missionários.



[1] Eu Creio. Pequeno Catecismo Católico, 2005, p. 71-72.
[2] Cf. Texto postado.
[3] Idem. Ibidem.
[4]COMBLIN, J. Breve Curso de Teologia: Jesus Cristo e sua missão. São Paulo, Paulinas, 1983, 247-248.
[5] EU CREIO. Pequeno... 2005, p. 71.

A Arte de Comunicar


Pe. Márcio Pinheiro

O ser humano é por natureza um ser de comunicação. A comunicação estreita os laços de amizade e fraternidade entre as pessoas e instituições e, ao mesmo tempo, amplia e favorece o conhecimento, a cultura. A comunicação é essencial.
É preciso dar conta da comunicação como atividade dinâmica e um processo de contínua atualização e interação entre os agentes e instâncias envolvidas. Neste sentido, os comunicadores que opinam tem um lugar de relevância; é necessário ter consciência que não basta apenas transmitir, é preciso sair de si, ser espelho, interagir, de forma natural, distinta e clara com os interlecutores e ouvintes.
A mídia e a opinião pública se estrelaçam e se opõem reciprocamente. São forças vivas de um povo. A imagem cansa, desgasta e se esvai. A Palavra é mais contagiante. Entretanto, na era da televisão e do indivíduo há um constraste: fixa-se o olhar na câmara e se esquece da palavra, do conteúdo, da mensagem, da notícia.
Na era da comunicação precisamos compreendermos as relações institucionais entre mídia e Igreja, superando o paradigma clássico ou informacional, cujo objetivo era produzir, suscitar efeitos, imagens, representações no polo receptor,  e enveredarmos no modelo praxiológico, onde o contexto social e a cultura, os discursos, os posicionamentos e as ações práticas dos sujeitos são elementos que interagem para a compreensão da realidada subjacente.
Nesta perspectiva surge muitos outros horizontes que nos fazem refletir e, ao mesmo tempo, nos alertam para percebermos as novas e atuais "inspirações" emergentes. Isso significa que temos de atualizar nossa linguagem e discutir os assuntos polêmicos de forma aprofundada, pois o grau da discursão, do conhecimento, depende da formação das consciências das pessoas envolvidas. Desta forma, por mais que a mídia seja tendenciosa, a pessoa conseguirá, de forma crítica fazer suas ponderações e apreender as reais intenções dos meios de comunicação de forma a ampliar seus conhecimentos e elaborar sua síntese acerca dos temas abordados.
Diante desta realidade somos desafiados a apreendermos o que a bondade, a criatividade e a dinâmica do Espírito divino propõe à nossa vida. Assim, com certeza, a cultura e a vida das pessoas que nos rodeiam, sirvam de luzes e incentivo para o crescimento humano e espiritual de todos nós. Tudo isto indica que precisamos agir e atuar com mais humildade, mas também com mais ousadia, fazendo com que a mensagem do Evangelho seja apresentada, através dos meios de comunicação, de forma a atingir e expressar aquilo que ela é em si: Boa Nova. Noutras palavras, precisamos aprimorar nossa maneira de comunicar as verdades da fé, de acordo com as exigências de nosso tempo.
Neste sentido, gostaríamos de destacar a comunicação litúrgica que nos envolvem e atinge pela salvação operada por Jesus Cristo de maneira que o mistério Pascal d’Ele se atualiza e se faz presente na vida da comunidade celebrante. Na comunidade experimentamos todas as realidades da fé: o Batismo, a partilha da Palavra, a Eucaristia, a Esperança, a Unidade com Deus Uno e Trino, o amor fraterno, a missão, a sabedoria da cruz, a abertura do coração e a entrega da vida. A maneira litúrgica de se comunicar estes mistérios se dá pelo uso de palavras, gestos e sinais/símbolos explicados pela fé.
É preciso redescobrir o valor da missa e a sua simbologia; o mistério não se esconde, revela-se; manifesta-se. O símbolo explica. É preciso repensar e dar mais atenção ao uso dos símbolos/sinais na litúrgica católica, bem como formação litúrgica às comunidades de fé que celebra o Mistério Pascal de Cristo. E mais: precisamos ter consciência de que a liturgia não é uma mágica, mas uma dádiva que nos compromete e nos faz cada vez mais responsáveis pela construção de uma sociedade mais justa e fraterna à luz da Trindade Santa. Tudo isso só é possível pela iluminação da fé.
Os frutos/resultados da comunicação serão percebtíveis quando causarem impacto, provocarem mudanças croncretas e reais na vida das pessoas. a comunicação litúrgica, religiosa, deve pretender, dentre outras, segundo Padre Antonio Vieira, “não que os homens saiam contentes, mas descontentes; não que pareçam bem nossos conceitos, mas que pareçam maus os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos os seus pecados” (Sexagésima, X).
Em suma, dado que a comunicação é um dom e uma arte, temos que continuamente atualizar nossa linguagem para que sempre mais pessoas possam transmitir a Palavra de Deus, sua mensagem de amor, e o convite à conversão de maneira criativa e dinâmica.

Conselhos Evangélicos


Pe. Márcio Pinheiro

considerações iniciais
            Foi sabendo da importância de conhecermos as origens da Vida Consagrada, os Conselhos Evangélicos e os Votos que iniciamos esta pesquisa, cuja finalidade é compreender o significado e profundidade de cada um em particular. Neste sentido, veremos inicialmente uma introdução aos Conselhos Evangélicos, depois perceberemos qual a diferença entre Conselhos Evangélicos e Votos. Posteriormente, estudaremos um por um os três Conselhos Evangélicos: Pobreza, Castidade e Obediência.

Conselhos evangélicos
O Catecismo da Igreja Católica ressalta que os Conselhos Evangélicos, nas múltiplas facetas, são propostos a todo discípulo de Cristo. A busca da perfeição da caridade, da qual todos os cristãos são convidados, exige daqueles que se consagram livremente ao Senhor a obrigação de praticar a castidade no celibato pelo Reino, a pobreza e a obediência[1]. Eles têm como meta afastar o que pode constituir um obstáculo para o desenvolvimento da caridade. Ao mesmo tempo, manifestam a plenitude viva da caridade que jamais se mostra satisfeita e sempre quer dar mais; indicam caminhos mais diretos, meios mais fáceis, e devem ser praticados conforme a vocação de cada um[2].
A Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata, do Papa João Paulo ii, destaca que através da profissão dos conselhos evangélicos, os traços característicos de Jesus — virgem, pobre e obediente — adquirem uma típica e permanente “visibilidade” no meio do mundo (n. 1); é parte integrante da vida da Igreja (n. 3); a sua prática torna o mistério de Cristo perenemente presente na Igreja e no mundo, no tempo e no espaço (n. 5); a sua profissão pública segundo um carisma específico e numa forma estável de vida comum, é um serviço apostólico pluriforme ao Povo de Deus (n. 9); é sinal e profecia para a comunidade dos irmãos e para o mundo (n. 15); é um sinal profético, exige e expressa o dom de si (n. 16); requer e manifesta o desejo explícito de conformação com Cristo (n. 18); é um dom da Trindade (n. 20); pertence indiscutivelmente a vida e a santidade da Igreja (n. 29); é singular e fecundo aprofundamento da consagração batismal (n. 30); ajuda a desenvolver a graça recebida no Sacramento da Confirmação (n. 30); demonstra que o sacramento da Ordem encontra uma fecundidade peculiar em tal consagração (n. 30); é um caminho privilegiado para a santidade (n. 35); é expressão e fruto de dons espirituais recebidos por fundadores e fundadoras (n. 48); torna a pessoa totalmente livre para a causa do Evangelho (n. 72); leva a pessoa a ir onde Cristo foi e fazer o que Ele fez (n. 75); propõem, por assim dizer, uma “terapia espiritual” para a humanidade, porque recusam a idolatria da criatura e tornam de algum modo visível o Deus vivo (n. 87); enfim, por meio dos conselhos evangélicos, a pessoa é chamada a escolher Cristo como sentido único da sua existência (n. 95).
Segundo Finkler a consagração do religioso não se realiza somente ao professar os votos. Isto é apenas o ato formal mais evidente de um processo de santificação, através da entrega total de si mesmo ao Senhor. Consagrar-se ao Senhor na vida religiosa é comprometer-se seriamente a crescer na união com Deus[3].

Diferença entre Conselhos Evangélicos e Votos

A Pobreza
O documento Perfectae Caritatis ao falar do voto de pobreza diz que
a pobreza voluntária abraçada para seguir a Cristo, do que ela é um sinal hoje muito apreciado, seja diligentemente cultivada pelos religiosos e, se for necessário, exprima-se até sob novas formas. Por ela é participada a pobreza de Cristo, que sendo rico, por nosso amor se fez pobre, para que nós fôssemos ricos da sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9; Mt. 8,20). Pelo que toca, porém, à pobreza religiosa, não basta sujeitar-se aos Superiores no uso dos bens, mas é preciso que os religiosos sejam pobres real e espiritualmente, possuindo os seus tesouros no céu (cf. Mt. 6,20)[4].
Segundo Ridick a pobreza não é nem um conceito, nem uma lei, coisa ou substância que pode ser analisada, dividida ou vista por meio de um filtro para separar os elementos culturais e psicológicos da essência puramente evangélica, mas é uma atitude que nasce de uma relação entre duas pessoas que se amam. É um dom do si mesmo de Deus; é uma atitude universal íntima, encarnada em um modo de vida que se torna um símbolo exterior de um abandono interior. Ela é expressão do amor transcendente proposto por Deus, em Jesus Cristo. Vista desta forma, torna-se libertação e organiza e integra a pessoa. A interiorização, a assimilação da vivência do voto da pobreza por Cristo depende e deriva da integração psíquica dos níveis do homem (psicofisiológico, psicossocial, espiritual-racional)[5].
            Como vemos a pobreza é um meio inestimável para um discernimento adequado dos valores em relação ao chamado religioso. Por meio dela o religioso se coloca numa atitude de humildade e de respeito frente ao extraordinário amor de Deus por nós, ao mesmo tempo que, se mantém à distância das coisas, dos outros, de si mesmo, de forma a integrar e ordenar os níveis de seu ser. Vista desta forma, a pobreza é libertadora, indicativa, enriquecedora.
            A pobreza é o caminho da liberdade e do amor. Sua descoberta é, segundo alguns, fruto da contemplação de Jesus Cristo. Segundo Bibollet, a exemplo de Jesus, devemos ser pobres em nome do amor, da confiança, da compaixão, da valorização, da liberdade, da verdade e da missão. Destaca ainda que só pela força do Espírito Santo seremos capazes de nos dá, pela fé, ao amor e a confiança de Cristo que se abandona nas mãos do Pai, entregando-se completamente a serviço dos homens, construindo por e com eles o Reino[6].
            Conseqüentemente, a opção preferencial pelos pobres no seu justo significado, é conatural a todos os que vivem o conselho evangélico da pobreza  e que estão chamados a amar, acolher e servir os pobres[7].
            Na pós-modernidade a vivência da pobreza encontra muitos obstáculos que devem ser enfrentados e superados com tranqüilidade e equilíbrio. Demonstra também a incompatibilidade entre o seguimento de Cristo e a riqueza (Mt 19,23-24) e aponta que, assim como Jesus, temos que superar a teologia da retribuição e seguir Cristo pobre, dando um testemunho da pobreza evangélica, tanto pessoal como comunitária, para o mundo de hoje[8].
            As motivações que levam o consagrado ou a consagrada a viver o voto de pobreza na pós-modernidade são de ordem teológica, existencial, cristológica e eclesial. Estes são chamados a viverem a pobreza sem desprezar os bens materiais, como um ato de doação a Deus que entrou em nossa vida. Isto requer a exclusão de toda e qualquer forma de ganância, de avareza, de cobiça, de busca de poder e de desejo de dominação. Desse modo a pobreza nos prepara para a vivência de uma autêntica espiritualidade, para aquele encontro definitivo de Deus[9].

Castidade
            O documento Percfectae Catitatis falando acerca da Castidade afirma que:
a castidade ”por amor do reino dos céus” (Mt. 19,12), que os religiosos professam, deve ser tida como exímio dom da graça. Liberta o coração do homem (cf. 1 Cor 7, 32-35), para que mais se acenda na caridade para com Deus e para com todos os homens. É, por isso, sinal dos bens celestes e meio altíssimo pelo qual os religiosos alegremente se dedicam ao serviço de Deus e às obras de apostolado.[10].

Segundo Ridick o voto de castidade é um verdadeiro holocausto de alma e corpo, holocausto escolhido por ser o mais rápido e direto caminho para a perfeição da caridade. Ele é uma síntese humano-cristã da realização de si através da autotranscendência, uma integração de todos os três níveis de vida psíquica, inspirados pela graça e pelo Ágape. Desta forma, uma pessoa respeita o sexo, sua profundidade e significado sublime, na ordem divina, quando vive uma atitude de reverência e respeito pelo Criador, para consigo mesma e para com todas as criaturas[11].
A verdadeira castidade deve consistir na ignorância das realidades sexuais e afetivas, nem no meio patológico ou desprezo de tais realidades que provêm de Deus, mesmo quando os homens delas abusam. Assim sendo, a castidade é uma forma de viver a própria sexualidade, segundo o projeto original de Deus. Como tal deve ser acolhida com humildade, evitando que ela se torne forma de dominação, manipulação, amargura e ruptura. Vivida nesta ótica a castidade torna-se sinal transcendente da radicalidade do Reino, evocando a união da pessoa com Cristo e da Igreja com seu Esposo[12].
A castidade é um dom de Cristo e de sua graça. Ela destina-se para a glória de Deus. Cabe a pessoa consagrada responder com uma fidelidade dinâmica, amorosa, a esta dádiva divina, vivendo asceticamente buscando aprimorar e desenvolver o compromisso de amar sem medida, com espírito de serviço, amor, doação e oblação total, completa e incondicional a Deus e aos outros[13].
Para que a virgindade, a castidade, seja fecunda é preciso amar. Tendo como base o amor, a sexualidade autêntica é fonte de vida, de relação, de fraternidade e de comunhão. Assim sendo, só quem ama e é amado de verdade é capaz de transcender os limites da vida, entregando-se pela sobrevivência e defesa de outras vidas. Noutras palavras, a castidade é a opção irrevogável de oferecer-se a Deus por uma entrega tão plena que nos faz livres para ser homens e mulheres para os outros e as outras na amizade e na união com todas as pessoas[14].
            Por fim, gostaríamos de ressaltar que, embora a castidade seja um dom, precisamos buscar usufruir os meios para crescer no amor casto, virginal. Como indicação, apresentamos alguns que julgamos imprescindíveis: a ascece-disciplina, a oração orante das Sagradas Escrituras, a solidão, o deserto, a vida comunitária, o exame de consciência e a prática da caridade.

Obediência
            O documento Perfactae Caritatis diz que pela profissão da obediência os religiosos

os religiosos oferecem a plena oblação da própria vontade como sacrifício de si mesmos a Deus, e por ele se unem mais constante e seguramente à vontade divina salvífica. Por isso, a exemplo de Jesus Cristo, que veio para fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4,34; 5,30; Hb 10,7; Sl. 39,9), e “tomando a forma de servo” (Fl 2,7), aprendeu a obedecer por aquilo que padeceu (cf. Hb. 5,8), os religiosos, sob a moção do Espírito Santo, sujeitam-se na fé aos Superiores, vigários de Deus, e por eles são levados a servir todos os seus irmãos em Cristo, da mesma maneira que o próprio Cristo, por causa da sua sujeição ao Pai, serviu os irmãos e deu a sua vida para redenção de muitos (cf. Mt. 20,28; Jo 10, 14-18)[15].
Ridick referindo-se a Rahner explica que a obediência tem duas dimensões: funcional e religiosa. A obediência é “funcional” quando é vontade de obedecer para manter a ordem, facilitar a interdependência, favorecer o querer social comum para o bem e a realização próprios e da sociedade e fazer com que as coisas caminhem bem para o progresso. Na obediência religiosa todo o humano é abraçado pela fé; todo ato de submissão ou aceitação é entendido como orientado não só para o homem, mas para Deus, no seu desígnio providencial de amor pelo mundo[16].
            A obediência exige por si só uma atitude de escuta, escutar comunitariamente, em família, oferecendo a cada irmão ou irmã a possibilidade de contribuir, com sua fala, par ao bem de todos e de todas. Ela é um ato racional, fruto da liberdade e da autonomia pessoal. Obedecer significa aceitar interiormente certa determinação. A obediência, a qual o consagrado ou consagrada é chamado ou chamada pelo voto, é participação à obediência de Cristo. Toda a vida de Cristo foi marcada por uma busca constante da vontade do Pai. Assim, aderindo livremente à pessoa de Jesus, em seu mistério pascal, o batizado, a batizada, o consagrado, a consagrada, é chamado, chamada, também a “obedecer ao Evangelho” (Rm 10,16), ou seja, “a obedecer a Cristo” (2 Cor 10,5)[17].
            Enfim, a obediência de Cristo não é só um modelo a ser admirado, mas uma vida a ser seguida. Os documentos do Vaticano II dizem a esse respeito: “Os religiosos não só devem inserir-se no mistério de Cristo, mas devem assumir o modelo da mesma obediência praticada por Cristo” (cf. LG 42; PC 14). A participação na autoridade de Cristo nos leva a vivenciar as três dimensões da obediência: a obediência apostólica, comunitária e pastoral. Assim sendo, pela obediência a Jesus Cristo, ao povo e pela fidelidade à missão muitos religiosos e religiosas deram suas vidas pela justiça, pela dignidade e pela defesa dos direitos humanos (PDV 28; PO 13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões feitas, ao longo deste trabalho, ajudaram-nos a perceber que, desde o início, a opção pelos “conselhos evangélicos”, foi sinal interpelante de que é possível viver a vida presente, ao ritmo da plenitude escatológica de Jesus Cristo. Vimos também que a pobreza, a obediência e a castidade exprimem as três dimensões fundamentais da vida humana e a radicalidade de Cristo ressuscitado: A pobreza, maneira de usar e se servir dos bens materiais, sem deixar que nos dominem o coração e a liberdade; a obediência, a decisão de, sempre e em todas as circunstâncias, pôr a vontade de Deus, que nos treinamos a perscrutar, acima da nossa própria vontade; a virgindade escolhida como experiência de amor, dando prioridade exclusiva ao amor com que Deus nos ama em Jesus Cristo. Ele, a nossa plenitude e a nossa alegria, nos envia a amar os irmãos como Ele os ama, presenças sacramentais do seu próprio amor.
Em síntese, a vivência dos conselhos evangélicos visam a santidade da Igreja. Surgem como exigências uma castidade que seja abertura para uma autêntica comunhão e não somente uma privação da faculdade de ter relações genitais com uma pessoa do outro sexo; a pobreza vivida não mais a partir da quantidade das coisas, mas a partir do uso que fazemos dos bens e a obediência como experiência responsável, consciente, livre, adulta, capaz de construir a história.

Referência Bibliográfica
  1. BIBOLLET, Bruno. Padres diocesanos: elementos de espiritualidade. São Paulo: Paulinas, 2000.
  2. CANTALAMESSA, Raniero. Virgindade. Aparecida, SP: Santuário, 2003.
  3. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Vozes, Paulina, Loyola, Ave Maria, 1993.
  4. FINKLER, Pedro. O formador e a formação. São Paulo: Paulinas, 1990.
  5. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira. Viver os Votos em tempos de Pós-Modernidade. São Paulo: Loyola, 2004.
  6. Paulo II, João. Carta Apostólica aos religiosos e às religiosas da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1990.
  7. PAULO II, João. Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a formação dos sacerdotes “Pastores Dabo Vobis”. São Paulo: Paulinas, 1992.
  8. PAULO II, João. Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata. São Paulo: Paulinas, 1996.
  9. RIDICK, Joyce. Os votos: um tesouro em vasos de argila. São Paulo: Paulinas, 1986.



[1] Cf. Catecismo da Igreja Católica n. 915.
[2] Idem. nn. 1973-1974.
[3] Cf. FINKLER (1990), p. 130.
[4] PC n. 13.
[5] Cf. RIDICK (1986), pp. 23-27.
[6] Cf. BIBOLLET (2000), pp. 129-133.
[7] Cf. Carta Apostólica de João Paulo II aos religiosos e às religiosas da América Latina, 19.
[8] Cf. Oliveira (2001), pp. 97-114.
[9] Idem, pp. 114-118.
[10] PC n. 12.
[11] Cf. RIDICK, Op. Cit., p. 80.
[12] Cf. Oliveira (2001), pp. 40-44.
[13] Idem, pp. 57-76.
[14] Idem, pp. 91-95.
[15] PC n. 14.
[16] Cf. Idem. p. 137.
[17] Cf. Oliveira (2001), pp. 142-148.