sexta-feira, 15 de junho de 2012

Evangelium Vitae: A vida humana é um bem indivisível; é sagrada e inviolável em todas as suas fases e situações (Paulo VI).

             Frente a “cultura de morte” que se instaurou o Sumo Pontífice resolve oferecer orientações morais profundas e precisas em relação à vida humana para que se imponha uma “cultura de vida”. A Evangelium Vitae demonstra de maneira panorâmica as situações em que a vida humana se encontra questionada na realidade e privilegia duas situações: o aborto (nn. 61-62) e a eutanásia (nn. 64-66).
Penso que a Evangelium Vitae concentrou maior atenção nestas duas situações porque precisava, na época, de esclarecimentos e definições para salvaguardar a vida e impor/propor, como dissemos acima, uma cultura da vida. A EV 61-63 faz uma alusão às colocações precedentes do Magistério acerca do aborto consciente, isto é, desejado e procurado, destacando as bases bíblicas ((Dt 32,39; (Sb 16,13; cf. Tb 13,2; Dt 32,39; cf. 2Rs 5,7; 1Sm 2,6), as referências da tradição cristã (Didaké, Atenágoras e Tertuliano), as condenações do magistério pontifício (Pio XI, Pio XII, João XXIII, Paulo VI, Vaticano II) e as prescrições canônicas (fala-se do Código de 1917 e do Código de Direito Canônico Atual – 1983), enquanto que os nn. 64-66 destacam, dentre outras coisas, que a eutanásia comporta, segundo as circunstâncias, a malícia própria do suicídio ou do homicídio e torna-se mais grave, quando se configura como um homicídio, que os outros praticam sobre uma pessoa que não a pediu de modo algum nem deu nunca qualquer consentimento para a mesma.
O aborto e a eutanásia são condenados porque a vida humana é sagrada e inviolável em cada momento da sua existência, inclusive na fase inicial que precede o nascimento. Deus é o único que tem o poder de fazer morrer e de fazer viver: “Só ele dar vida e a morte” (Cf. Dt 32,39; 2Rs 5,7; 1Sm 2,6). Como diz Santo Agostínho: “Nunca é lícito matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse”.
Na Evangelium Vitae vemos a preocupação da Igreja, que a exemplo de Jesus, “bom samaritano” (cf. Lc 10,29-37), e sustentada pela sua força, por amor do próximo mais fraco e necessitado, posiciona-se contra os atentados à vida nascida e em plenitude de significação: a legítima defesa (EV 55), a pena de morte (EV 27 e 56), o suicídio e o homicídio (EV 66). Vejamos:
·        A Legítima Defesa (EV 55): A vida é sagrada e não pode ser violada. Porem há momentos e circunstâncias que “o direito de proteger a própria vida e o dever de não lesar a alheia se revelam, na prática, dificilmente conciliáveis”. Assim “a legítima defesa pode ser, não somente um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outrem, do bem comum da família ou da sociedade” (Cf. Catecismo da Igreja Católica 2265);
·        Pena de Morte (EV 56): Matar o ser humano é pecado de particular gravidade. Só Deus é o dono da Vida. Na EV n. 57 temos a seguinte afirmação: “a inviolabilidade absoluta da vida humana inocente é uma verdade moral explicitamente ensinada na Sagrada Escritura, constantemente mantida na Tradição da Igreja e unanimemente proposta pelo seu Magistério”. Marciano Vidal, no livro “O Evangelho da Vida”, diz que é contrário a pena de porte por que ela é inutil (não traz proveito), imoral (desmoraliza, dá mau exemplo), desnecessária (bastava aprisionar pelo tempo necessário), pessimista (não ilimina o mal), injusta (produz violência e depois quer encontrar um bode expiatório) e anticristã (vai contra a vontade de Deus que a favor da vida, do perdã e da esperança);
·        O Suicídio (66): Na perspectiva ética o suicídio pode ser entendido graças ao tédio, a depressão, as causas sociológicas e psicológicas... Ele aparece como a negação da auto-realização, da mudança, da criatividade, da novidade, das decisões e da liberdade humana. No entanto, “o suicídio é sempre moralmente inaceitável” (Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino); profundamente o “suicídio constitui uma rejeição da soberania absoluta de Deus sobre a vida e sobre a morte”;
·        O Homicídio (EV 66): Defender e promover, venerar e amar a vida é tarefa que Deus confia a cada homem, ao chamá-lo enquanto sua imagem viva a participar no domínio que Ele tem sobre o mundo. Quando o homem usurpa tal poder, subjugado por uma lógica insensata e egoísta, usa-o inevitavelmente para a injustiça e a morte. Assim, a vida do mais fraco é abandonada às mãos do mais forte; na sociedade, perde-se o sentido da justiça e fica minada pela raiz a confiança mútua, fundamento de qualquer relação autêntica entre as pessoas. O homicídio nasce da maldade do coração humano. Tirar a vida é invadir o santuário mais sagrado da dignidade humana.
A vida é um mistério. Mesmo que não consigamos entendê-la na sua profundidade ela continua um tesouro. Tudo o que a envolve merece cuidado e atenção. As questões de caráter bioético como, por exemplo, a manipulação de embriões, o diagnóstico pré-natal, a doação de órgãos, a contracepção, as técnicas de reprodução assistida... demonstram que há uma conexão entre o valor e a defesa da vida humana e ao mesmo tempo nos interpela, nos questiona. Diante destas questões da biotecnologia temos que agir com inteligência, rigor e prudência, pois o que está em “jogo” é a vida enquanto dom de Deus. Neste sentido compreendemos a afirmação da Gaudium et Spes: “Deus é o Senhor da vida e confiou ao homem o encargo de preservar e proteger a vida desde sua concepção com o máximo cuidado” (GS 51).
Tendo em conta o valor ético da vida humana a postura fundamental e coerente que devemos tomar em face do aborto deve primar sempre pela defesa e salvaguarda da vida em todas as suas dimensões e circunstâncias. Em comunhão com a Igreja devemos proclamar que “a vida é sagrada e o seu direito é inviolável em todas as suas fases e situações” (EV 87); “a pessoa humana é imagem e semelhança de Deus” e tem por vocação o convite a participar da própria vida de Deus, em Jesus Cristo; “toda vida é convocada a desabrochar, pois o primeiro direito de uma pessoa humana é sua vida”. Neste sentido, o aborto é um crime cruel, abominável, que brada aos céus.