sábado, 7 de julho de 2012

INTRODUÇÃO AO PENTATEUCO

1. O CONTEXTO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO EM QUE SURGE A BÍBLIA

a)A geografia (o espaço)
O embrião da Bíblia, o Antigo Testamento, surgiu no seio do Povo Hebreu, que habitava a Palestina (= terra de Israel: 2 Cr 2,17; 1 Sm 13,19; Canaã: Gn 11,31; Ex 15,15; Terra Santa: Zc 2,16; Judá: Lc 1,5; Terra Prometida: Hb 11,9). A Palestina é uma região situada na bacia do Mar Mediterrâneo, tendo ao sul o Egito (África), ao norte a Mesopotâmia (na Ásia), ao ocidente a Europa e ao oriente está incluída dentro da chamada meia-lua fértil. A Palestina situa-se como chave entre duas grandes e antigas culturas:
A Mesopotâmia é uma região fértil e por isso com freqüentes problemas políticos e econômicos, pois todos ambicionam essas terras. Nessa região há muitos movimentos de tribos nômades que se mudam freqüentemente com seus rebanhos atrás de pastagens. É nesse contexto que encontramos o patriarca Abraão e sua família em sua trajetória: Ur - Haarã – Canaã (cf. Gn 12-13). Depois, essa caminhada é "revista" (à luz do Êxodo) como caminhada de fé.
O Egito é constituído pelo vale do Nilo, região também fértil por causa das inundações do rio, onde se cultivava o trigo. (É ai que se inscreve o episódio de José e seus irmãos no Egito). Trata-se de uma civilização muito antiga (4500 a.C.).
Essas duas regiões, por muito tempo foram a sede de duas grandes potências políticas. Entre elas situava-se o corredor que permitia o contato entre ambas, e onde era muito intenso o movimento de caravanas. O povo que vivia nessa região-corredor era sempre massacrado: ora dependente de uma, ora de outra potência.
Assim, o lugar onde surge a Bíblia não é um lugar isolado. Trata-se de uma região-chave entre a Ásia, África e Europa  e por isso a Bíblia recebe influência cultural de todas essas civilizações, sobretudo do Egito e da Mesopotâmia. (De fato podemos encontrar fragmentos de mitos babilônicos na Bíblia). A Palestina é uma pequena região que mede, de norte a sul, cerca de 300 Km (alguns falam de 240 Km na faixa entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão) e de leste a oeste varia entre 45 a 85 km. Sua superfície é de 25.000 km2, pouco maior que o estado de Sergipe[1].

b) A história (o tempo)
            Poderíamos dividir a história (bíblica ou) do Povo de Deus em 5 etapas:
1ª)  Das origens à Realeza (1250-1010 a.C. – Gn, Ex, Nm, Js 1,1-12,24, 13-24; Jz): compreende a etapa que vai desde a constituição do povo com a experiência fundante da libertação da escravidão no Egito (Êxodo), experiência no deserto, Aliança no Sinai, entrada na Terra prometida, período dos Juizes, até a realeza.
2ª)  O período da Realeza: que inicia com Saul, tem seu ápice com Davi e Salomão (império de Davi e Salomão: 1010-931 a.C – 1 Sm 1-1 Rs 11), e se estende durante todo o período da divisão do Reino, compreendendo a deportação do Reino do Norte (Israel) para a Assíria em 722 a.C., até o exílio do Reino do Sul (Judá) na Babilônia (587 a.C.). Neste período destaca-se o império Assírio (824-612 a.C. – 2 Rs 1-24; Is 36-39).
3ª)  O tempo do Exílio (587-538 a.C. - império Babilônico): que compreende o período do exílio na Babilônia, com trabalhos forçados, a crise de identidade, até o retorno à terra, com Esdras e Neemias.
4ª)  O Pós-Exílio (538-331: o império Persa – Esd; Ne): a tentativa de reorganização do povo com a reconstrução da cidade de Jerusalém e do Templo, a reestruturação da cultura e religião judaicas em torno da Lei e do Templo, legalismo, nacionalismo (surgimento do Judaísmo), até a época dos Macabeus (331-64 a.C. – 1-2 Mac - império Grego).
5ª)  O Novo Testamento (63 a.C. – 135 d.C. - império Romano): o tempo de Jesus, as primeiras comunidades cristãs, as perseguições e a expansão do Cristianismo. (de + 4 a.C. a 110 d.C).


2. Composição do Pentateuco
2.1. De Moisés (1250 cerca) até Esdras (400 cerca).
A tradição judaica mais antiga nunca tinha afirmado explicitamente que Moisés fosse o redator de toda essa vasta coletânea. E se às vezes se encontra a fórmula “Moisés escreveu”, ela se aplica a alguma passagem particular. Entretanto, desde a época de Jesus a opinião comum considerava Moisés autor do Pentateuco (Jo 1,17.45; 5,45-47; Rm 10,5). Mas as repetições ou duplicados, as discordâncias, a falta de ordem nas narrações, as diferenças de estilo e de teologia que a crítica moderna apontou com seus estudos exegéticos levantaram sérios questionamentos quanto à autoria e época de composição.
Por exemplo, somente no Gênesis temos dois relatos da criação; dois relatos combinatos do dilúvio (6-8); duas expulções de Agar (16; 21); três narrações da desventura da mulher de um patriarca em país estrangeiro (12,10-20; 20; 26,1-11); etc. No Êxodo, há duas narrações da vocação de Moisés (Ex 3,1-4,17 e 6,2-7,7); um milagre da água em Meribá (17,1-7) repetido em Nm 20,1-13; um texto do Decálogo (Ex 20 1,17) duplicado com pequenas modificações em Dt 5,6-21; dois calendários litúrgicos (Ex 23,14-19; 34,18-23) que têm correspondentes em Lv 23 e Dt 16,1-16). A lista poderia continuar com muitos outros exemplos.
Esses questionamentos levaram os pesquisadores a formular hipóteses quanto à formação literária do Pentateuco. A teoria que, no fim do séc. XIX, conseguiu impor-se aos críticos é a dos quatro documentos. Ou seja, os textos se agrupam por afinidades lingüísticas, de estilo e de forma, por afinidades de conteudo e de ambiente cultural, de idéias religiosas e conceitos teológicos, que determinam correntes literárias paralelas cuja trajetória é possível seguir nos cinco livros e, também, fora deles.
Teria havido primeiramente duas tradições literárias: a história javista (J), do séc. IX, que desde o relato da criação usa o nome de IHWH, e a história eloista (E), do séc. VIII, que designa Deus com o nome comum de Elohim. Depois da queda de Samaria, talvez na época de Isaías, os dois documentos teriam sido reunidos num só (JE). Após o reinado de Josias ou durante o exílio, lhe teria sido acrescentado o Deuteronômio (D) que, enquanto isso, vinha sendo composto. Depois do exílio, a corrente sacerdotal utilizou sua tradição (P) de leis e narrações como arcabouço para mouldar o inteiro conjunto (JEDP): o Pentateuco[2].
A história da formação do Pentateuco, que se prolongou todos esses séculos, reflete, portanto, as vicissitudes da vida social e religiosa da nação de Israel, desde seu nascimento como povo. Pode-se observar essa evolução de pensamento e adaptação às realidades sociais em contínua mudança nos próprios textos legislativos. Eles contêm um direito civil e religioso cuja origem se confunde com a do povo e que vai evoluindo juntamente com a sociedade que por ele é governada (comparar textos do Código da Aliança com os correspondentes do Código Deuteronomista e do Código de Santidade).
A força que cimentou, unificou e deu continuidade à essas tradições literárias foi a fé em Iahweh, a mesma que garantiu a unidade do povo, o iluminou e o guiou rumo ao cumprimento de seu destino. Ora, não há dúvida que a personalidade de Moisés é que domina essa evolução literária e inspira a caminhada do povo desde a origem do javismo. Foi ele o iniciador da fé em Iahweh, o organizador da religiosidade do povo e seu primeiro legislador. A religião de Moisés marcou para sempre as instituições e a alma do povo de Israel, ao ponto que as lembranças dos acontecimentos que ele presidiu e as recordações que trasmitiam suas façanhas tornaram-se uma epopéia nacional.
Pouco importa que não possamos atribuir-lhe com certeza a redação de nenhum texto do Pentateuco. É ele o seu personagem central e a Torá ficou sendo norma última de vida e de conduta do povo de Israel. As adaptações exigidas pela mudança dos tempos foram feitas segundo seu espírito e se cobriram de sua autoridade (cf. BJ). Por isso a tradição judaica posterior chamou o Pentateuco de livro da Lei de Moisés.
Exemplos de estudo comparado das tradições:

Abraão e Isaac a Gerara

Gn 12
Gn 20
Gn 26
10 Havia fome naquela terra; desceu, pois, Abrão ao Egito, para aí ficar, porquanto era grande a fome na terra.
11 Quando se aproximava do Egito, quase ao entrar, disse a Sarai, sua mulher: Ora, bem sei que és mulher de formosa aparência;
12 os egípcios, quando te virem, vão dizer: É a mulher dele e me matarão, deixando-te com vida.
13 Dize, pois, que és minha irmã, para que me considerem por amor de ti e, por tua causa, me conservem a vida.
14 Tendo Abrão entrado no Egito, viram os egípcios que a mulher era sobremaneira formosa.
15 Viram-na os príncipes de Faraó e gabaram-na junto dele; e a mulher foi levada para a casa de Faraó.
16 Este, por causa dela, tratou bem a Abrão, o qual veio a ter ovelhas, bois, jumentos, escravos e escravas, jumentas e camelos.
17 Porém IHWH puniu Faraó e a sua casa com grandes pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão.








18 Chamou, pois, Faraó a Abrão e lhe disse: Que é isso que me fizeste? Por que não me disseste que era ela tua mulher?
19 E me disseste ser tua irmã? Por isso, a tomei para ser minha mulher. Agora, pois, eis a tua mulher, toma-a e vai-te.

20 E Faraó deu ordens aos seus homens a respeito dele; e acompanharam-no, a ele, a sua mulher e a tudo que possuía.

1 Partindo Abraão dali para a terra do Neguebe, habitou entre Cades e Sur e morou em Gerar.
2 Disse Abraão de Sara, sua mulher: Ela é minha irmã; assim, pois, Abimeleque, rei de Gerar, mandou buscá-la.
3 Elohim, porém, veio a Abimeleque em sonhos de noite e lhe disse: Vais ser punido de morte por causa da mulher que tomaste, porque ela tem marido.
4 Ora, Abimeleque ainda não a havia possuído; por isso, disse: Senhor, matarás até uma nação inocente?
5 Não foi ele mesmo que me disse: É minha irmã? E ela também me disse: Ele é meu irmão. Com sinceridade de coração e na minha inocência, foi que eu fiz isso. 6 Respondeu-lhe Elohim em sonho: Bem sei que com sinceridade de coração fizeste isso; daí o ter impedido eu de pecares contra mim e não te permiti que a tocasses.
7 Agora, pois, restitui a mulher a seu marido, pois ele é profeta e intercederá por ti, e viverás; se, porém, não lha restituíres, sabe que certamente morrerás, tu e tudo o que é teu. 8 Levantou-se Abimeleque de madrugada, e chamou todos os seus servos, e lhes contou todas essas coisas; e os homens ficaram muito atemorizados.
9 Então, chamou Abimeleque a Abraão e lhe disse: Que é isso que nos fizeste? Em que pequei eu contra ti, para trazeres tamanho pecado sobre mim e sobre o meu reino? Tu me fizeste o que não se deve fazer.
10 Disse mais Abimeleque a Abraão: Que estavas pensando para fazeres tal coisa?
11 Respondeu Abraão: Eu dizia comigo mesmo: Certamente não há temor de Elohim neste lugar, e eles me matarão por causa de minha mulher.12 Por outro lado, ela, de fato, é também minha irmã, filha de meu pai e não de minha mãe; e veio a ser minha mulher.
13 Quando Elohim me fez andar errante da casa de meu pai, eu disse a ela: Este favor me farás: em todo lugar em que entrarmos, dirás a meu respeito: Ele é meu irmão.
1 Sobrevindo fome à terra, além da primeira havida nos dias de Abraão, foi com Isaque a Gerar, avistar-se com Abimeleque, rei dos filisteus.
2 Apareceu-lhe IHWH e disse: Não desças ao Egito. Fica na terra que eu te disser;
3 habita nela, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e a tua descendência darei todas estas terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão, teu pai.
4 Multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus e lhe darei todas estas terras. Na tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra;
5 porque Abraão obedeceu à minha palavra e guardou os meus mandados, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis.
6 Isaque, pois, ficou em Gerar.
7 Perguntando-lhe os homens daquele lugar a respeito de sua mulher, disse: É minha irmã; pois temia dizer: É minha mulher; para que, dizia ele consigo, os homens do lugar não me matem por amor de Rebeca, porque era formosa de aparência.
8 Ora, tendo Isaque permanecido ali por muito tempo, Abimeleque, rei dos filisteus, olhando da janela, viu que Isaque acariciava a Rebeca, sua mulher.
9 Então, Abimeleque chamou a Isaque e lhe disse: É evidente que ela é tua esposa; como, pois, disseste: É minha irmã? Respondeu-lhe Isaque: Porque eu dizia: para que eu não morra por causa dela.
10 Disse Abimeleque: Que é isso que nos fizeste? Facilmente algum do povo teria abusado de tua mulher, e tu, atraído sobre nós grave delito.
11 E deu esta ordem a todo o povo: Qualquer que tocar a este homem ou à sua mulher certamente morrerá.
12 Semeou Isaque naquela terra e, no mesmo ano, recolheu cento por um, porque IHWH o abençoava.
13 Enriqueceu-se o homem, prosperou, ficou riquíssimo; 14 possuía ovelhas e bois e grande número de servos, de maneira que os filisteus lhe tinham inveja.

A lei dos escravos

Ex 21

(Código da Aliança)


2 Se comprares um escravo hebreu, seis anos servirá; mas, ao sétimo, sairá livre, de graça.


 3 Se entrou solteiro, sozinho sairá; se era casado, com ele sairá sua mulher.
 4 Se o seu senhor lhe der mulher, e ela der à luz filhos e filhas, a mulher e seus filhos serão do seu senhor, e ele sairá sozinho.

Dt 15
(Código deuteronomista)

12 Quando um de teus irmãos, hebreu ou hebréia, te for vendido, seis anos servir-te-á, mas, no sétimo, o despedirás livre.
 13 E, quando de ti o despedires livre, não o deixarás ir de mãos vazias.
 14 Liberalmente, lhe fornecerás do teu rebanho, da tua eira e do teu lagar; daquilo com que o SENHOR, teu Deus, te houver abençoado, lhe darás.
 15 Lembrar-te-ás de que foste escravo na terra do Egito e de que o SENHOR, teu Deus, te resgatou. É por isso que eu te dou hoje esta ordem.

Jr 34




9 …que cada um despedisse livre o seu escravo hebreu e cada um, a sua escrava hebréia de maneira que ninguém retivesse como escravos hebreus, seus irmãos.
 10 Todos os príncipes e todo o povo que haviam entrado na aliança obedeceram, despedindo livre cada um o seu escravo e cada um a sua escrava…
 11 Mas depois se arrependeram, e fizeram voltar os escravos e as escravas que haviam despedido livres, e os sujeitaram por escravos e por escravas…
Lv 25
(Lei da Santidade)


39 Também se teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás servir como escravo.
 40 Como diarista e peregrino estará contigo; até ao Ano do Jubileu te servirá;
 41 então, sairá de tua casa, ele e seus filhos com ele, e tornará à sua família e à possessão de seus pais.
 42 Porque são meus servos, que tirei da terra do Egito; não serão vendidos como escravos.
 43 Não te assenhorearás dele com tirania; teme, porém, ao teu Deus.

 

3. O que É o Pentateuco?

Pentateuco é a denominação que se dá aos 5 primeiros livros da Bíblia, qual sejam: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. É um termo de origem hebraica, TORAH, que vem do verbo hebraico YARAH e significa mostrar com o dedo, indicar, portanto “instruir, ensinar”. Daí vem Lei, no sentido de instrução, normas para o povo. Estas instruções deveriam ser escritas no coração do homem e em sua alma para que orientasse todo o seu proceder. Ao ser traduzido do hebraico para o grego o termo TORAH, passou a ser denominado PENTATEUCO, isto é, cinco rolos onde está contida a Lei de Iahweh.
Ora, a TORAH foi tida sempre como sendo de Iahweh ou de Moisés. Conforme a tradição a Lei era de Moisés e sendo assim, a TORAH compreendia, como dissemos acima, do Gênesis ao Deuteronômio (cinco livros – Pentateuco). Mas como o Deuteronômio fala da morte de Moisés (Ex 34), se este for o autor, a Torah deveria ser de quatro e não de cinco livros; o Deuteronômio deveria estar fora, em lugar de Pentateuco, a Torah deveria ser Tetrateuco (do grego quatro livros: Gênesis, Êxodo, Levítivo e Números). O Deuteronômio entraria como cabeça na grande escola deuteromista... Porém como a Torah é Lei de Iahweh, Lei de Deus e Deus faz Aliança com seu povo, Ele faz a Promessa de Abraão teria uma pátria e uma prole numerosa, a Torah sob o prisma da Promessa, deveria ser não tetrateuco, nem pentateuco, mas sim Hexateuco (seis livros em grego + Josué), pois é só com o livro de Josué que temos a posse da Terra Prometida. Também os críticos chegam a falar até de oito livros (Octateuco... até os reis) para a Torah (cf. 1 Rs 3,8). Entretanto, mesmo fazendo estas considerações a tradição sempre teve a Torah como sendo os cinco primeiros livros da Bíblia, ou seja, Pentateuco.
Os livros do Pentateuco falam da formação do mundo, da humanidade e do povo escolhido por Deus. As histórias e leis aí contidas forma sendo escritas durante cinco séculos. Foram frutos de reformulações, adaptações e atualizações das tradições mais antigas, que vieram desde os tempos de Moisés.
As histórias mostram como e porque o Deus que se revelou, na sarça ardente, a Moisés, com o nome de Iahweh, o único Deus verdadeiro. Foi Ele que tirou o povo da escravidão do Egito e o conduziu, através do deserto, até a terra de Canaã, para aí estabelecer uma comunidade que fosse livre e fraterna. Refletindo sobre esse Deus livre e que liberta, os escritores do Pentateuco descobrem que Ele é também o Deus dos patriarcas, o Deus que está presente na humanidade, e Aquele que criou tudo o que existe.
As leis que aparecem nesse primeiro conjunto da Bíblia são leis muito antigas, e muitas delas parecem estranhas para nós. Mas todas elas giram em torno de um núcleo central fora do qual elas perdem o sentido: são leis dadas por um Deus livre, que quer a vida e a liberdade do homem, tanto na sua vida pessoal como comunitária.
Jesus, que veio trazer a libertação e a vida em plenitude, não aboliu, mas aprofundou o espírito dessas leis. E Ele próprio apresentou um resumo de toda a Lei: “Tudo o que vocês desejam que os homens façam a vocês, façam vocês a eles. pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7,12).


3. 2. GÊNESIS: Origem do mundo e do povo de Deus (Séc. VI, época do Exílio)
            Gênesis é o nome dado ao primeiro livro da Bíblia. Etmologicamente Gênesis vem do hebraico BERESHIT, isto é, “no princípio” Gn 1,1. Depois foi traduzido para o grego como gênesis, geração. Essa palavra significa começo, nascimento. De fato, o livro conta o aparecimento do mundo, da história e do povo de Deus. Este livro contém 50 capítulos. Podemos distinguir aí três partes distintas:
·         A primeira parte é composta pelos capítulos 1-11. Esta parte pode ser subdividida em duas: os dois primeiros capítulos narram a criação do mundo e do homem por Deus. São duas histórias para apresentar a grandiosidade do homem e da mulher. Eles são o ponto mais alto e o centro de toda a criação. Feitos à imagem e semelhança de Deus, possuem o dom da criatividade, da palavra e da liberdade; os capítulos 3-11 mostram a história dos homens e o processo humano dominado pelo pecado. Não querendo submeter-se a Deus, o homem quebra o relacionamento consigo mesmo, com o irmão, com a natureza e com a comunidade, reduzindo a convivência a uma confusão (Babel).
·         A Segunda parte é formada pelos capítulos 12-36. Conta a história dos patriarcas. Com eles começa a comunidade de Israel que, dentro do mundo, será a portadora da Aliança entre Deus e os homens. A vocação de Israel é ser uma comunidade que tem Deus como único Senhor, o homem como irmão e as coisas criadas como dons partilhados entre todos. Essa comunidade terá como missão mostrar o caminho que leva a humanidade a descobrir a viver o projeto de Deus.
·         A terceira parte compreende os capítulos 37-50. Ela apresenta a história de José, preparando assim o relato do livro do Êxodo. Essa história comovente prepara a ação mais grandiosa de Deus entre os homens: a libertação de um povo da escravidão.


3.3. êxodo: Deus liberta e forma seu povo
            A palavra Êxodo significa saída. O livro tem esse nome porque começa narrando a saída dos hebreus da terra do Egito, onde eram escravos (1-15); o caminho para o Sinai “aprendendo a andar” (16-18); os assuntos referentes à Aliança, o compromisso da coletividade e dos indivíduos com Deus e entre si (19-24) e sobre o culto, comunicação estilizada com Deus (25-40). Este livro contém 40 capítulos.
            Quem desconhece a mensagem do Êxodo jamais entenderá o sentido de toda a Bíblia, pois a idéia que se tem de Deus, tanto no Antigo como no Novo Testamento, está fundamentada nesse livro. Com efeito, sua mensagem central é a revelação do nome de Deus: Iahweh. Embora de origem discutida, no Êxodo esse nome está intimamente ligado a libertação da opressão do Egito.
Iahweh é o único Deus que ouve o clamor do povo oprimido e o liberta, para com ele estabelecer uma relação de aliança e dar leis que transformam a relações entre as pessoas, fundando uma comunidade de onde é assegurada a vida, a liberdade e a dignidade. Assim, o homem só estará nomeando o verdadeiro Deus, se o considerar efetivamente como o libertador de qualquer forma de escravidão, e se colocar a serviço da libertação em todos os níveis de sua vida. só Iahweh é digno de adoração.
Qualquer outro Deus é um ídolo e deve ser rejeitado. Percebemos aí um convite a escolher entre o Deus verdadeiro e os ídolos, escolha que leva a viver na liberdade ou, pelo contrário, a cultuar e servir toda forma de opressão e exploração.
A pergunta fundamental do livro do Êxodo é a seguinte: “Qual é o verdadeiro Deus?” A resposta que nele encontramos é a mesma que reaparece em toda a Bíblia, e principalmente na pregação, atividade e pessoas de Jesus. O livro do Êxodo é, portanto, de suma importância para entendermos o que significa Jesus como Filho de Deus e para sabermos o que é o Reino de Deus.
Em síntese, sem este livro, a Bíblia perderia o seu ponto de partida para nos levar até Jesus Cristo e podermos com ele construir o Reino e a justiça.


3.4. LEVÍTICO: Formação de um povo santo
            Levítico provém do nome Levi, a tribo de Israel que foi escolhida para exercer a função sacerdotal no meio do seu povo. Ele contém a legislação referente as atividades dos sacerdotes: os sacrifícios (1-7); as atribuições sacerdotais (8-10); a santidade requerida para o culto (11-16) e para a vida (17-26). Portanto o livro contém 26 capítulos.
            Destro os livros da Bíblia é o mais enfadonho para ser lido e o mais difícil para ser entendido. Alguns afirma que muitos nunca o leram, outros pararam na metade e os que conseguiram chegar até o fim, deram um suspiro de alívio. Com efeito, encontramos nesse livro um emaranhado de leis, cerimônias, rituais, festas e costumes, que nos desanimam e nos fazem perguntar: “Para que ler isso?” Até Jesus parece nos desestimular a ler o Levítico, quando ele critica as leis sobre o que é puro e o que é impuro. Os judeus no tempo de Jesus observavam essas leis, baseados justamente no Levítico.
            Mesmo que esse livro contenha coisas superadas, não podemos esquecer que faz parte da revelação de Deus e que, por isso, traz uma mensagem válida sempre. É no Levítico que podemos descobrir, mais do que em qualquer outro livro da Bíblia, a preocupação minuciosa de mostrar que o Deus santo está presente em todos os setores da nossa vida, curando, julgando, salvando e chamando-nos continuamente a sermos santos como ele (19,2). É nesse livro que se encontra uma regra de ouro, que Jesus vai retomar: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (19,18).
            Podemos dizer que o Levítico é um livro que serve mais para ser consultado, do que para uma leitura contínua. O Levítico é importante porque revela facetas do nosso Deus, que são desenvolvidas em outros livros, e porque faz parte de um conjunto muito maior e com o qual se relaciona, embora de maneira nem sempre fácil de ser compreendida.


3.5. – NÚMEROS: A caminho da terra Prometida
            Este livro se chama Números porque começa com um grande recenseamento do povo hebreu no deserto. Em grego é chamado ARITHMOI (= números, aritmética). Ele enumera os membros de cada tribo de Israel, um ano após a saída do Egito (1-4). Os demais capítulos referem-se às várias etapas do deserto e o recenseamento. Podemos dividi-lo em dois prismas:

A)   Sob o prisma narrativo, este livro pode ser dividido em três seções:
1)    1,1-10,10: Apresenta a preparação para a partida do povo par o Sinai;
2)    10,11-20,21: Do Sinai a Cades: período do deserto; várias leis;
3)    20-36: De Cades a Moab: outras disposições.

B)   Sob o prisma material, encontra-se noves seções:
1)    Seção: O recenseamento (1-4): recenseamento das 12 tribos. O redator final enumera com destaque o papel dos levitas e sua importância na comunidade israelita (1,48-4,49);
2)    Seção: A coleção de várias leis (5-6): entre estas leis está a referente a atividade sacerdotal (purificação e benção; 6,24-27: a clássica “benção de Aarão”;
3)    Seção: As grandes ofertas (7-8): ofertas para a dedicação do tempo (morada) e consagração dos levitas, substituindo os primogênitos;
4)    Seção: A celebração da Páscoa (9-10): Ordem de andar, começar a marcha; trombeta e nuvens; disposição da marcha;
5)    Seção: As etapas no deserto (11-14): Desde o Sinai... para Canaã; Moisés envia exploradores... (investigadores), codornizes (11,31; Ex 16)/ resultados dos investigadores; efeitos morais catastróficos para os nômades;
6)    Seção: As várias leis (15-19): Leis referentes ao culto; a autoridade de Moisés e Aarão é questionada pela revolta de Coré, Datan e Abiram.
7)    Seção: Chegada a Cades (20,1-25,18): Morte de Maria, irmã de Moisés e Aarão; a água de Meriba, castigo de Moisés e Aarão (a casa de Israel chorou 30 dias a morte de Aarão – Nu 20,29). Morte de Aarão: serpente de bronze; caminhada pela Transjordânia; chegada a Moab – Oráculo de Balaão;
8)    Seção: Novo Recenseamento (26,1-30,17): Josué chefe da comunidade; prescrições dos sacrifícios e votos;
9)    Seção: Despojos e partilha (31-36): Partilha da terra prometida; etapas do Êxodo (33); fronteiras de Canaã; partes dos levitas: cidades refúgio; conclusão (deserto).

            Para os hebreus a saída do Egito foi uma lenta e penosa caminhada em busca de uma terra. Neste livro, a caminha se transforma numa majestosa marcha organizada de todo um povo, como uma procissão ou um exército.
As tribos de Israel estão todas presentes, formando os esquadrões de Deus, cada uma com o seu estandarte e avançando em rigorosa formação. No centro de tudo vai a arca da Aliança. Isso mostra que o livro não pretende narrar fatos históricos, ma quer nos transmitir mensagens. Assim como os antepassados saíram da escravidão do Egito para chegar à terra de Canaã, do mesmo modo todo o povo de Deus é peregrino e caminha para a terra prometida por Deus. A organização mostra que, dentro do povo de Deus as funções dever ser repartidas, mas com um único objetivo: realizar o projeto de Deus. E a arca da Aliança no centro indica que, nessa caminhada, Deus está sempre presente no meio de seu povo.
Mas o livro mostra também, e com bastante realismo, que dentro dessa organização existem conflitos (cf. capítulo 16), e que seus chefes estão sujeitos a fraquezas e desânimo, por mais importantes que eles sejam na comunidade.
Os capítulos 22-24 narram a história de Balaão e a sua burrinha. Essa história mostra como um adivinho estrangeiro se torna um verdadeiro profeta de Deus. Com essa narração, o livro quer mostrar que, dentro da caminhada do povo de Deus para a Terra Prometida, deve haver sempre um lugar para o profeta.


3.6. – DEUTERONÔMIO: Aliança para a vida
            A palavra deuteronômio significa Segunda Lei. Trata-se de uma reapresentação e adaptação da Lei em vista da vida de Israel na Terra Prometida. Esse livro nasceu muito tempo depois da situação histórica que nele encontramos (cf. discurso de Moisés antes da entrada na Terra), e teve um longo período de formação. Para o autor, porém, o povo de Deus está sempre na posição de quem deve se converter a Deus e viver em aliança com Ele, para Ter a vida (Terra = Vida).
            O Deuteronômio pode ser dividido em quatro partes distintas:
1)    1,1-4,43 :  Primeiro Discurso de Moisés: etapa do deserto;
2)    4,44-28,69: Segundo Discurso de Moisés: Decálogo (5,6-21 e Código (12-26);
3)    29-30: Terceiro Discurso de Moisés: últimas recomendações;
4)    31-34: Últimos atos e morte de Moisés.
            A idéia central de todo o livre é que Israel viverá feliz e próspero na Terra se for fiel à Aliança com Deus; se infiel, terá a desgraça e acabará perdendo a Terra. O livro, porém, não se contenta com idéias gerais.
Para relembrar o Decálogo (5,1-22), ele mostra que o comportamento fundamental do homem para com Deus é o amor com todo o ser (6,4-9). A seguir apresenta uma longa catequese, explicando o que significa viver esse amor em todas as circunstâncias da vida pessoal, social, política e religiosa. Essa catequese é apresentada sobretudo através das leis do Deuteronômio (12-26), onde se procura ensinar ao homem como viver em sua relação com Deus, com as autoridades, com outro homem, e até mesmo com os seres da natureza.
Mais do que nos determos nessa ou naquela parte do livro, encafifados com uma ou outra lei, o importante é perceber o que o conjunto do livre procura transmitir: um projeto de sociedade nova, baseado na fraternidade entre os homens e na partilha de tudo o que Deus concedeu a todos. Notar sobretudo que Deus é chamado Pai (1,31), e os membros do povo são chamados irmãos entre si. A vocação do povo de Deus é a fraternidade e a partilha.

 






referência bibliografica

1.    BALANCIN, Euclides Martins. Guia de leitura aos mapas da Bíblia. São Paulo: Paulus, 2002.

2.    Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1997.

3.    BRIEND, J. Uma leitura do Pentateuco. São Paulo: Paulus, 1985.

4.    Grifos e comentários pessoais.



[1] BALANCIN, Euclides Martins. Guia de leitura aos mapas da Bíblia. São Paulo: Paulus, 2002, p. 8.
[2] A relação entre o Pentateuco e os livros bíblicos seguintes deram ocasião a hipóteses contrárias. Desde muito tempo, certos autores falam de um “Hexateuco”, uma obra em seis livros, que teria incluído também Josué e o começo dos Juízes. Com efeito, eles aí encontram a continuação das três fontes (J,E,P) do Pentateuco e fazem notar que o tema da promessa, que volta com tanta freqüência no Pentateuco, exige que esses relatos tenham narrado também a sua realização que é a conquista da Terra Prometida. O livro de Josué teria sido depois separado desse conjunto e se tornado o primeiro dos livros históricos (BJ). Autores mais recentes falam, ao contrário, de um “Tetrateuco”, uma obra em quatro livros, que não teria incluído o Deuteronômio. Este teria a princípio servido de introdução a uma grande “história deuteronomista” que se estendia até o fim de Reis. O Deuteronômio, posteriormente, teria sido desligado desse conjunto, quando se quis reunir num mesmo bloco (isto é, o atual Pentateuco) tudo o que se referia à pessoa e à obra de Moisés (BJ).