quinta-feira, 13 de setembro de 2012

INTRODUÇÃO À BÍBLIA: ANTIGO E NOVO TESTAMENTO

1. O CONTEXTO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO EM QUE SURGE A BÍBLIA

a)A geografia (o espaço)
O embrião da Bíblia, o Antigo Testamento, surgiu no seio do Povo Hebreu, que habitava a Palestina (= terra de Israel: 2 Cr 2,17; 1 Sm 13,19; Canaã: Gn 11,31; Ex 15,15; Terra Santa: Zc 2,16; Judá: Lc 1,5; Terra Prometida: Hb 11,9). A Palestina é uma região situada na bacia do Mar Mediterrâneo, tendo ao sul o Egito (África), ao norte a Mesopotâmia (na Ásia), ao ocidente a Europa e ao oriente está incluída dentro da chamada meia-lua fértil. A Palestina situa-se como chave entre duas grandes e antigas culturas:

A Mesopotâmia é uma região fértil e por isso com freqüentes problemas políticos e econômicos, pois todos ambicionam essas terras. Nessa região há muitos movimentos de tribos nômades que se mudam freqüentemente com seus rebanhos atrás de pastagens. É nesse contexto que encontramos o patriarca Abraão e sua família em sua trajetória: Ur - Haarã – Canaã (cf. Gn 12-13). Depois, essa caminhada é "revista" (à luz do Êxodo) como caminhada de fé.

O Egito é constituído pelo vale do Nilo, região também fértil por causa das inundações do rio, onde se cultivava o trigo. (É ai que se inscreve o episódio de José e seus irmãos no Egito). Trata-se de uma civilização muito antiga (4500 a.C.).

Essas duas regiões, por muito tempo foram a sede de duas grandes potências políticas. Entre elas situava-se o corredor que permitia o contato entre ambas, e onde era muito intenso o movimento de caravanas. O povo que vivia nessa região-corredor era sempre massacrado: ora dependente de uma, ora de outra potência.

Assim, o lugar onde surge a Bíblia não é um lugar isolado. Trata-se de uma região-chave entre a Ásia, África e Europa e por isso a Bíblia recebe influência cultural de todas essas civilizações, sobretudo do Egito e da Mesopotâmia. (De fato podemos encontrar fragmentos de mitos babilônicos na Bíblia). A Palestina é uma pequena região que mede, de norte a sul, cerca de 300 Km (alguns falam de 240 Km na faixa entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão) e de leste a oeste varia entre 45 a 85 km. Sua superfície é de 25.000 km2, pouco maior que o estado de Sergipe .

b) A história (o tempo)
Poderíamos dividir a história (bíblica ou) do Povo de Deus em 5 etapas:
1ª) Das origens à Realeza – Período Tribal (1750-1010 a.C. – Gn, Ex, Nm, Js 1,1-12,24, 13-24; Jz): compreende a etapa que vai desde a constituição do povo com a experiência fundante da libertação da escravidão no Egito (Êxodo), experiência no deserto, Aliança no Sinai, entrada na Terra prometida, período dos Juizes, até a realeza.

2ª) O período da Realeza: que inicia com Saul, tem seu ápice com Davi e Salomão (império de Davi e Salomão: 1010-931 a.C – 1 Sm 1-1 Rs 11), e se estende durante todo o período da divisão do Reino, compreendendo a deportação do Reino do Norte (Israel) para a Assíria em 722 a.C., até o exílio do Reino do Sul (Judá) na Babilônia (587 a.C.). Neste período destaca-se o império Assírio (824-612 a.C. – 2 Rs 1-24; Is 36-39).

3ª) O tempo do Exílio (587-538 a.C. - império Babilônico): que compreende o período do exílio na Babilônia, com trabalhos forçados, a crise de identidade, até o retorno à terra, com Esdras e Neemias.

4ª) O Pós-Exílio (538-331: o império Persa – Esd; Ne): a tentativa de reorganização do povo com a reconstrução da cidade de Jerusalém e do Templo, a reestruturação da cultura e religião judaicas em torno da Lei e do Templo, legalismo, nacionalismo (surgimento do Judaísmo), até a época dos Macabeus (331-64 a.C. – 1-2 Mac - império Grego).

5ª) O Novo Testamento (63 a.C. – 135 d.C. - império Romano): o tempo de Jesus, as primeiras comunidades cristãs, as perseguições e a expansão do Cristianismo. (de + 4 a.C. a 110 d.C).

2. NOÇÕES GERAIS SOBRE A BÍBLIA
2.1. A origem etimológica da palavra Bíblia
A palavra Bíblia se origina do grego: biblos, que significa "livro"; no diminutivo, bíblion, "livrinho" ou "livrete", que no plural fica bíblia, isto é, "vários livrinhos".

A Bíblia é, portanto, um conjunto de vários pequenos livros, redigidos em épocas e circunstâncias diversas, por distintas comunidades ou autores.

2.2. A divisão da Bíblia
A) Para os judeus, a Bíblia é composta apenas pelos livros do Antigo Testamento e está dividida em três partes: a Lei, os Profetas e os Outros Escritos. (ver Eclo. 1,1).

a) A Lei ou TORAH - para os hebreus esta palavra (Lei) é mais abrangente do que para nós, pois para eles, a Lei inclui a história. Através da Torah Deus dá a direção, traça a trajetória para a história do seu povo. A Lei, portanto, não é letra morta, mas tem sentido dinâmico. A Torah é formada pelos cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Esse conjunto de livros é também chamado de Pentateuco (de Penta= cinco e Teukos= vasos de barro onde eram guardados os rolos da lei). A Lei é o núcleo fundamental da bíblia para os hebreus.

b) Os Profetas ou NEBYIM - São livros complementares à Lei. Os profetas são pessoas que orientam o povo nos caminhos da Lei. Dos que deixaram livro escrito, conhece-se 4 grandes profetas e 12 profetas menores, porém muitos mais devem ter sido os profetas em Israel.

c) Os Escritos ou KETUBYIM - são os demais livros, dentre os quais se incluem alguns dos que hoje chamamos Históricos e Sapienciais.

B) Para os católicos a Bíblia completa possui 73 livros e está dividida em duas grandes partes: o ANTIGO TESTAMENTO e o NOVO TESTAMENTO.

I - O Antigo Testamento possui 46 livros, assim subdivididos:
a) O Pentateuco (5 livros), que corresponde à Lei ou Torah dos judeus e que, portanto, é formado pelos mesmos cinco livros: Gn, Ex, Lv, Nm e Dt.

b) Os Livros Históricos (16 livros) - JOSUÉ, JUÍZES, RUTH, I e II SAMUEL, I e II REIS, I e II CRÔNICAS (ou Paralipômenos), ESDRAS, NEEMIAS, TOBIAS, JUDITE, ESTER, I e II MACABEUS.

c) Os Livros Sapienciais (7 livros) - JÓ, SALMOS, PROVÉRBIOS, ECLESIASTES (ou COÉLET), CÂNTICO DOS CÂNTICOS, SABEDORIA e ECLESIÁSTICO (ou SIRAC).

d) Os Livros Proféticos (18 livros) - ISAÍAS, JEREMIAS (+ LAMENTAÇÕES e BARUC), EZEQUIEL,*DANIEL (os chamados profetas maiores), OSÉIAS, JOEL, AMÓS, ABDIAS, JONAS, MIQUÉIAS, NAUM, HABACUC, SOFONIAS, AGEU, ZACARIAS e MALAQUIAS.

II - O Novo Testamento possui 27 livros, assim distribuídos:
a) Os 5 livros históricos - Os 4 Evangelhos (MATEUS, MARCOS, LUCAS e JOÃO) e o livro dos ATOS DOS APÓSTOLOS.

b) As 21 Cartas dos Apóstolos - 14 de São Paulo (ROMANOS, 1ª e 2ª CORÍNTIOS, GÁLATAS, EFÉSIOS, FILIPENSES, COLOSSENSES, 1ª e 2ª TESSALONICENSES, 1ª e 2ª TIMÓTEO, TITO, FILEMON e a Carta aos *HEBREUS); 1 de São Tiago, 2 de São Pedro, 3 de São João e 1 de São Judas Tadeu.

c) Um livro profético, o APOCALÍPSE DE SÃO JOÃO.
A Bíblia compreende, portanto, um conjunto de escritos diversos e, se esses escritos tão diversos foram reunidos para formar um único livro é porque existe um fato comum a todos eles, que levou o povo judeu a reuni-los. E esse fato é a Aliança pessoal e comunitária feita entre Deus e o seu Povo (e por ele, com toda a humanidade). Por isso esses escritos continuam a ter valor para nós que queremos continuar a manter essa Aliança com Deus.

3. COMO MANUSEAR E LER A BÍBLIA
Para ler com proveito a Bíblia é preciso considerá-la sob quatro aspectos que se complementam:

a) Ter noção sobre os gêneros e as particularidades literárias da obra. (Não se pode ler e interpretar da mesma forma um poema e um relato histórico);

b) Situar o escrito em seu contexto histórico, levar em consideração as circunstâncias que o causaram, seus destinatários;

c) O ensinamento religioso transmitido pelo escritor aos seus contemporâneos;

d) Colocar esse ensinamento no contexto da revelação total, em vista da perfeição cristã.

Não é recomendável ler a Bíblia página por página de forma mecânica e indiscriminada. É prudente que se comece a lê-la a partir dos livros mais fáceis.

Abaixo indicamos um roteiro para leitura, de acordo com a marcha ascendente da revelação rumo a Cristo e seguindo a ordem cronológica dos escritos:

1) Das origens à Realeza: Os cinco livros do Pentateuco, Josué, Juizes, I e II Samuel, I e II Reis.

2) No período da Realeza: Os profetas antigos (Oséias, a primeira parte do livro de Isaías (cap. 1-39), Miquéias, Naum, Sofonias, Habacuc e Jeremias)

3) No tempo do Exílio: As Lamentações, Ezequiel, Abdias e a 2ª parte do livro de Isaías.

4) Após o Exílio: O I e II Paralipômenos (Crônicas), Esdras e Neemias, Ageu, Zacarias, Malaquias, Joel e Jonas, Rute, Tobias e Éster e os escritos sapiencias: Jó, Eclesiastes, Eclesiástico e Cântico dos Cânticos.

5) À época dos Macabeus: Sabedoria, Baruc, Daniel e I e II Macabeus.

6) Para o Novo Testamento:

7) Os Evangelhos sinóticos,

8) Os Atos dos Apóstolos,

9) As dez primeiras cartas de São Paulo,

10) As outras 4 cartas de São Paulo (as Pastorais),

11) As 7 epístolas católicas,

12) O evangelho de São João e o Apocalipse.

Os livros dos Salmos não têm época determinada e pode ser lido como meditação e oração independente de qualquer ordem cronológica.

Uma prática excelente é ler simultaneamente o Antigo e o Novo Testamento, procurando descobrir as relações que há entre eles.

Em síntese, deve o leitor do livro sagrado desenvolver em si a consciência dos 5 sentidos, necessários para uma boa e proveitosa leitura da Bíblia: o sentido da fé, o sentido da história, o sentido do movimento progressivo da revelação, o sentido da relatividade das palavras e o bom senso.

3.1. Como ler as citações bíblicas:
As citações dos textos bíblicos são feitas da seguinte maneira: abreviatura do título do livro seguindo o capítulo e versículo. É importante também saber distinguir a importância dos sinais de pontuação:

• A vírgula separa o capítulo dos versículos (Mc 8,27; Mc 8,1-3; o versículo inicial e o versículo final podem estar em capítulos diferentes, Ex.: Mc 8,34-9,1);

• O ponto indica um salto entre os versículos. Lê-se somente os números indicados (Ex.: Mc 8,1-3.34-36);

• O ponto e vírgula separam citações dentro de um mesmo livro ou de um livro para outro (Ex.: Mc 6,34-37; Mt 5,1-12);

• O hífen é o contrário do ponto e lê-se de um versículo até o outro (Ex.: Jo 6,53-58);

• Um s indica o versículo imediatamente seguinte ao que o precede (Ex.: Mc 8,27s);

• Dois ss indicam os dois versículos imediatamente seguintes ((Ex.: Mc 8,27ss). Para mais de três versículos usa-se o hífen;

• Quando não se indica o versículo, trata-se do capítulo inteiro (Ex.: Mc 8-10).

4. A LÍNGUA DA BÍBLIA, AS TRADUÇÕES E A DIFERENÇA ENTRE A BÍBLIA CATÓLICA E A PROTESTANTE
A Bíblia foi originariamente escrita em três línguas diferentes: o hebraico, o aramaico e o grego. A maior parte do Antigo Testamento foi escrita em hebraico, língua falada na Palestina antes do cativeiro. Depois do cativeiro, o povo da Palestina começou a falar o aramaico, mas a Bíblia continuou a ser escrita, copiada e lida em hebraico e muitas pessoas já não conseguiam entender as Escrituras. Criaram-se então, escolas para se ensinar o hebraico e poder entender a Bíblia. Só uma pequena parte do Antigo Testamento foi escrita em aramaico. Apenas um único livro do Antigo Testamento (o livro da Sabedoria) e todo o Novo Testamento foram escritos em grego. O grego era a nova língua do comércio, que dominou o mundo após as conquistas de Alexandre Magno, no século IV a.C.

Por outro lado, depois do cativeiro em Babilônia, entre os anos 400 a 300 a.C., muitos judeus emigraram da Palestina para o Egito e aí foram esquecendo a língua materna e já não entendiam o hebraico nem o aramaico, mas só o grego, língua falada até no Egito, havendo a necessidade de se traduzir a bíblia para essa língua. Por isso, no século III a.C. um grupo de sábios judeus resolveu traduzir o Antigo Testamento do hebraico para o grego. Esta foi a primeira tradução da Bíblia, chamada de SEPTUAGINTA ou SETENTA. A partir de então, passou a existir duas versões da Bíblia, uma em hebraico, usada pelos judeus que moravam na Palestina e outra em grego, usada pelos judeus que viviam no Egito.

Ocorre que na época em que foi feita a tradução grega dos Setenta, a lista (ou cânon) dos livros sagrados ainda não estava definida e os judeus da diáspora foram acrescentando mais livros à sua bíblia (em grego). Com isso, a lista dos livros da versão grega ficou maior que a lista dos livros da Bíblia hebraica em 7 livros.

Devido ser o grego, a língua falada em quase todo o mundo conhecido da época, a tradução grega da bíblia sempre teve maior difusão do que a hebraica. Assim, mais tarde, quando os Apóstolos saíram a pregar o Evangelho aos povos que falavam o grego, eles adotaram a tradução grega dos Setenta e a espalharam pelo mundo. Quanto aos judeus, permaneceram com a sua bíblia em hebraico, sendo que no ano 97 d.C. declararam oficialmente como texto inspirado apenas os livros constantes da versão hebraica.

Os cristãos continuaram a utilizar a versão grega, até que, por volta do século IV d.C. grande parte dos povos do Império Romano, já não falava mais o grego e sim o latim, a nova língua oficial do Império. Foi então que o Papa Dâmaso pediu a São Jerônimo, grande estudioso e biblista da época, que traduzisse a bíblia para o latim. Jerônimo procurou fazer a tradução a partir dos originais hebraicos e gregos, mas como ele não conhecia a língua hebraica, pediu ajuda a um rabino judeu para a tradução do texto hebraico. Jerônimo traduziu toda a bíblia considerando as duas versões, mas influenciado pelo rabino judeu, estabeleceu a distinção entre os livros "protocanônicos" (da primeira lista ou cânon) e os "deuterocanônicos" (da Segunda lista, ou cânon). Essa tradução da Bíblia para o latim, feita por São Jerônimo em 350 d.C., chamou-se "Vulgata", (isto é, a Divulgada).

Com a tradução de São Jerônimo, reacende-se a polêmica entre os defensores da lista menor (protocanônicos) e os da lista maior (deuterocanônicos). Essa questão arrastou-se até o Concílio de Florença, em 1430, quando os bispos pronunciando-se sobre o assunto, afirmaram que os católicos reconhecem como palavra de Deus inspirada todos os livros da lista maior (ou seja, da versão grega), e estabeleceram assim, uma trégua nas discussões.

O assunto voltou à tona no século XVI com a reforma protestante, quando Lutero, resolvendo traduzir a bíblia do latim para o alemão (sua língua materna), traduziu apenas os livros da versão hebraica (ou do primeiro cânon). Novamente o assunto foi discutido pelos bispos católicos e, no Concílio de Trento, foi reafirmada como inspirada por Deus toda a Bíblia, incluindo os livros da versão grega. Desse modo, os católicos ficaram com a bíblia da versão grega e os protestantes com a bíblia hebraica, o que perdura até os dias de hoje.

Assim se explica a diferença entre a Bíblia protestante e a Bíblia católica que, na verdade, provém da diferença entre a Bíblia hebraica e a Bíblia grega. Os protestantes ficaram com a lista mais antiga e mais curta da Bíblia hebraica, enquanto que os católicos, seguindo o exemplo dos apóstolos, ficaram com a lista mais longa da tradução grega dos Setenta. Desse modo, a Bíblia protestante, (assim como a judaica,) tem sete livros a menos que a católica; são eles: Tobias, Judite, Baruc, Eclesiástico, Sabedoria, I e II Livro dos Macabeus e algumas partes do livro de Daniel (Dn 3,24-90; 13-14) e de Éster (Est 10,4-16,24). Estes livros são chamados de "deuterocanônicos", isto é, da segunda lista (deutero=segunda, cânon=lista). Ressalte-se que, de início, estes livros foram aceitos pelos judeus e pelos cristãos e mais tarde foram rejeitados pelos judeus e pelos protestantes. Os outros 39 livros do Antigo Testamento são chamados de "protocanônicos" (proto=primeiro, cânon=lista).

Quanto às traduções atuais da bíblia, a maior parte das edições em português foram feitas a partir da Vulgata de São Jerônimo. Somente a partir de 1947, com a descoberta de um convento dos essênios nas grutas de Qumram, próximo ao Mar Morto, na Palestina, onde foram encontrados jarros de barro com textos originais do profeta Isaías, começaram a surgir traduções para as línguas modernas, a partir dos originais gregos e hebraicos. Estas descobertas arqueológicas comprovam que a Bíblia tem suas raízes na história concreta do Povo de Deus.