São Paulo escrevendo aos coríntios afirma claramente que o corpo é para
o Senhor e o Senhor é para o corpo. E acrescenta: “tudo me é permitido, mas nem
tudo me convém” (Cf. 1Cor 6,12-20). De acordo com este texto, quem se une ao
Senhor se torna um só espírito com Ele. Portanto, podemos afirmar com segurança
que o Celibato juntamente com o Matrimônio constituem duas formas de estarmos a
frente de Cristo, perante o mistério de Deus.
Para compreendermos o
significado esponsal do corpo precisamos inicialmente lermos e compreendermos
os seguintes textos: Gn 2,4b-25; Gn 1; Ef 1,3-14; Mt 19,1-9; Mc 10,1-12; 1Cor
7,10-11 e Fl 1,20. Percebemos que logo de início, na criação, Deus manifesta
sua vontade explícita: “não é bom que o homem viva só”. Há, portanto, uma
solidão originária na corporeidade. A mulher, criada sem a cooperação do homem,
é a resposta da solidão do homem: “essa é carne de minha carne, osso dos meus
ossos”(Gn 2,23).
Assim sendo, podemos
concluir que o corpo desde o início não pertence a nós. Há sempre a necessidade
de referência a alguém: homem/mulher ou Deus. Portanto, nós somos só na medida
em que nos entregamos, nos relacionamos, nos damos, no amor. Isto antecede
nossa liberdade. Nós não nos pertencemos (cf. 1Cor 6,19).
Nós nos unimos a Cristo não
na união da alma, mas na Eucaristia, Corpo de Cristo. O espírito é o coração do
corpo. A verdadeira e agradável oferenda feita a Deus é feita no próprio corpo
de Cristo que salva todos e tudo. A oferenda, a entrega, o sacrifício no corpo
é definitiva, é irreversível. Neste sentido, nós cumprimos a vontade de Deus quando
nos entregamos no corpo a Ele (ou um homem ou a uma mulher). A morte é
manifestação máxima do amor oblativo, da entrega livre.
É na entrega e na troca do
dom de si que a pessoa faz que ela encontra a si mesma, realizando a própria
vocação. Cristo na experiência da Cruz mostra que ninguém se entrega a Ele e ao
Pai se não pelo corpo. Foi no corpo que Cristo fez a vontade do Pai (Hb 10,5s).
O Gn 2,4bs fala que os dois
(Adão e Eva) estavam nus e se uniram para serem fecundos. Essa nudez originária
e a falta de vergonha entre ambos expressam uma relação de harmonia, de
unidade, de comunhão entre si e deles com a Trindade. Adão e Eva viviam uma
perfeita comunhão com a Trindade, uma perfeita e completa sintonia com o
Espírito de Deus.
Pela desobediência o corpo
não vive mais a sintonia do Espírito (cf. Gl 5,22). Através dos Evangelhos
Sinóticos percebemos que Deus Pai se alegra, se compraz com a carne
transfigurada de seu Filho (por exemplo: Batismo e Transfiguração), pois ele
obedece ao Pai, se sacrifica por nossos pecados. É o sacrifício de Cristo que
faz com que a carne do homem volte à sintonia com o Espírito, destruindo as
resistências ao Espírito. É a Eucaristia a atualização do único e eterno
sacrifício de Cristo que nos possibilita reatarmos a comunhão e a sintonia com
o Espírito.
Enfim, o corpo
foi pensado e criado para que Jesus fizesse a vontade do Pai. Por isso, ninguém
pode entregar-se a Cristo e ao Pai sem ser no corpo e essa entrega é para
sempre. O corpo na nudez originária foi pensado por Deus sem pecado para que
possamos viver em perfeita e completa sintonia com o Espírito. No combate
interior percebemos que o que vivemos e desejamos não é de acordo com o desejo
originário. O próprio combate atesta isso. O domínio, a exploração, o prazer
erótico são manifestações da não sintonia com o Espírito. O remédio, o meio que
temos para tornar-nos mais aptos para vivermos a sintonia com o Espírito,
identificando-nos com o sacrifício de Jesus Cristo é, como vimos acima, a
Eucaristia, Corpo de Cristo.
Virgindade pelo Reino de Deus
Como
falamos acima a virgindade é a forma pela qual o corpo é para o Senhor e o
Senhor é para o corpo. Para ampliarmos nossa reflexão vamos ler os seguintes
textos: 1Cor 6,12-20; Mt 19,1-12. Ao consagrar-nos pelo Reino temos que
superarmos o parentesco carnal (cf. Mt 12,46-51; Mc 3,31-34; Lc 8,19-21; Mt
10,34s). Não esqueçamos porém que continuará a tensão entre as coisas de Deus e
as do mundo (cf. Lc 10,38-42; Jo 11 e 12; 1 Cor 7). Ao ler Mt 19,1-12, perceberemos que o contexto
é o da conjugalidade/matrimônio. Vem antecedido pela bênção das crianças, do
convite ao desapego feito ao jovem rico e do amor ao dinheiro.
A virgindade não é a perda
da corporeidade, da personalidade constituída, formada e sexualmente
determinada. Não é recusa da masculinidade ou feminilidade sexualmente
determinada. O termo eunuco/castrado já nos ajuda a entender que é preciso
renunciar a genitalidade para fazer a total entrega a Deus, pois o virgem, o
eunuco vive plenamente a esponsalidade. A continência voluntária por causa do
Reino dos céus é a forma sobrenatural de viver a esponsalidade corporal, porque
na experiência de continência sobrenatural de Jesus há ausência de uma esposa
carnal. Portanto, esta ausência de esponsalidade carnal é eterna. No entanto, a
ausência de um marido ou de uma mulher não significa limitar a liberdade, mas
ao contrário a enobrece, a exalta, porque faz experimentarmos as realidades
celestes.
O consagrado e a consagrada
são convidados a representarem sacramentalmente a Cristo, dedicando-se
exclusivamente aos fiéis e às coisas de Deus. A ausência de marido ou mulher
expressa que a pessoa consagrada é propriedade exclusiva do Senhor. Ao mesmo
tempo, exige muito esforço e ascese constante, vigilância e oração, confiança e
despojamento nas mãos de Deus.
8.2 Sentido escatológico da virgindade
A virgindade tem uma relação intrínseca com a
Trindade. Ela tem valor escatológico (cf. 1Cor 15,28; 1Cor 7,1-9. 25-40; Mt
25,1-13; Mt 22,23-33; Mc 12,18-21; Lc 20,27-40). São Paulo, retomando as
palavras de Jesus, fala que a virgindade é um dom que nem todos compreendem
(1Cor 7,7). Ela é um conselho, um convite, um dom que poucos recebem e aceitam.
Portanto, se ainda não temos capacidade de auto-domínio dos nossos instintos,
paixões e sentimentos não façamos nossa consagração logo, mas vamos esperar
mais ou então, procuremos o matrimônio como nos aconselha Paulo(cf. 1Cor 7,9).
Em 1Cor 7,29-31 temos uma descrição
dos tempos escatológicos e um convite para vivermos como se não precisássemos
das coisas terrenas, pensando na eternidade da Santíssima Trindade.
Compreendendo este mistério podemos afirmar que a virgindade é uma antecipação
daquilo que experimentaremos no céu. É um estado de vida escatológico, isto é,
antecipa o que seremos criando uma tenção, uma comunhão entre o terrestre e o
celeste, entre o divino e o humano. A virgindade é um dom colocado em nós que
caracteriza a melhor vida, devido a ligação de vida nova em comunhão com a
Trindade. Neste sentido podemos dizer que a virgindade em si e por si é
superior ao matrimônio e não o virgem ou a virgem. Ela é uma novidade porque é
sobrenatural; o natural é casar-se.
É
importante lembrar que a vida matrimonial é uma alerta aos virgens, pois lembra
a eles que devem viver a comunhão com Deus no corpo, enquanto os virgens
lembram aos casais que a entrega no corpo, na conjugalidade, deve levá-los a
entregarem-se ao Pai, no Filho, pelo Espírito Santo. Em suma, a virgindade
antecipa a união eterna com Cristo.