quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

TEMPO DA QUARESMA

 “Com a alegria do Espírito Santo e cheios do desejo espiritual, esperemos a santa páscoa” (Regra de São Bento, 49,7)

Quaresma “Sinal sacramental da nossa conversão”. O caminho de fé-conversão implica em etapas sucessivas, em movimento progressivo. O ano litúrgico corresponde a esta pedagogia e “goza de força sacramental e especial eficácia para alimentar a vida cristã” [i]. Por isso, os tempos e as festas que voltam a cada ano, com as mesmas leituras, os mesmos cantos e orações, não é um monótono repetir-se das coisas, mas uma representação sacramental do mistério de Cristo e da sua Igreja. Não se trata de simples reprodução dramática da vida, morte e ressurreição de Jesus, mas é memória sacramental: o que se realizou em Jesus ‘uma vez por todas’ se atualiza no presente momento de nossa história, mediante nossa adesão, ao participarmos das ações litúrgicas com conhecimento de causa, ativa e frutuosamente (cf. SC 11). A quaresma, no seu conjunto de palavras, ritos e ‘exercício da vida cristã’, é um grande “sinal sacramental da nossa conversão” [ii]. Enquanto realidade sacramental, é feita de sinais sensíveis: gestos corporaissentido teológico (realidade significada) e atitude interior.

Gestos corporais, símbolos, imagens, personagens, músicas. Quaresma: um tempo de quarenta dias.  
·        - Cinzas em nossa fronte
·        Cor roxa (rosa no 4o domingo) e ausência de flores.
·        - Canto sem glória, sem aleluia e sem instrumentos musicais, indicando sobriedade, coerente com o sentido e a espiritualidade da quaresma: “Reconciliai-vos com Deus”; “o vosso coração de   pedra se converterá”; “Dizei aos cativos saí”...
·        - Jejum, esmola e oração.
·        - A cruz em destaque.
·        - O ato Penitencial ou o rito da bênção e aspersão com água
·        - O sacramento da reconciliação. 
·        Personagens: Moisés, o profeta do êxodo; a samaritana; o cego; Lázaro, Nicodemos; a pecadora; o Filho pródigo... Sobretudo Jesus, o novo Moisés e o novo Adão.
·        Imagens: o grão de trigo que morre para gerar vida; o desafio de nascer de novo.
·        A procissão com ramos e a cor vermelha no domingo de Ramos.
·        Quarenta dias: 40 dias e 40 noites do dilúvio... 40 anos do Povo hebreu, a caminho, pelo deserto... 40 dias e 40 noites que Moisés passou no alto da montanha... 40 dias e 40 noites que Elias caminhou até o monte de Deus... O prazo de 40 dias da cidade de Nínive... Sobretudo, os 40 dias e 40 noites do retiro de Jesus no deserto, depois do batismo no Jordão onde recebe do Pai a missão de Servo. No primeiro domingo (anos ABC) vemos Jesus indo para o deserto repleto do Espírito. Apoiado na Palavra do Pai vence a provação do demônio e se prepara para a missão e todas as conseqüentes provações.

Sentido teológico-litúrgico e atitude interior
O tempo da quaresma coincide com o tempo da purificação e iluminação dos catecúmenos que deverão celebrar os sacramentos da   iniciação na páscoa. Para os que foram batizados, a quaresma é tempo de viver as exigências deste sacramento, mediante profunda e progressiva conversão, ‘para celebrar os mistérios pascais, que nos deram vida nova e nos tornaram filhos e filhas de Deus” (cf. prefácio I).

Começamos a quaresma (rito das cinzas) escutando um duplo convite:  “convertei-vos e crede no evangelho”:
a)     conversão parte do fato que o mal está instalado no coração humano, assim como nas relações sociais. A conversão é a possibilidade de superar o mal pelo exercício constante do bem. Pedagogicamente a austeridade própria da quaresma, sobretudo a prática do jejum, nos remetem ao necessário vazio do corpo e do coração. Assumir o jejum como ‘sacramento da páscoa’ pelo qual o Espírito nos faz passar das nossas necessidades, às necessidades dos outros, como exercício de conversão. Jejum ‘com a cabeça perfumada’, já que a conversão é obra da iniciativa de Deus em Cristo, e não simples resultado de um esforço nosso.
b)     Justamente por que cremos que é Deus quem nos converte, pelo seu Espírito, somos convidadas/os a abrir maior espaço para a gratuidade da oração, lembradas/os que somos parte do ‘povo da aliança’ (cf. prefácio V). Oração que é um colocar-se sob o ‘julgamento’ da Palavra de Jesus, obedecendo à voz do Pai no batismo e na transfiguração (2º domingo – ABC): “este é meu filho amado, escutai-o”. Escutar a Palavra com atenção e assiduidade e crer na sua força, para vencer ‘as tentações’: a) de consumir (bens, cargos, informações...); b) de dominar situações e pessoas como forma de auto-afirmação; c) de instrumentalizar Deus em benefício próprio.

c)     Durante a quaresma, nos domingos e dias da semana, na missa e na Liturgia das Horas/ODC, as orações, os textos bíblicos e os textos patrísticos, vão como que indicando o caminho. A primeira leitura dos domingos, nos anos ABC, conta os grandes momentos da história da salvação e da caminhada do povo de Deus. A partir do 3º domingo (no ano C) os textos evangélicos (figueira estéril, o filho que volta, pecadora perdoada) enfatizam a misericórdia de Deus e convidam a acolhe-la mediante a conversão do coração e o perdão.[iii] 

d)     perdão como exercício de conversão: auto-conhecimento e aceitação de si com suas ambigüidades, compreensão dos outros com suas sombras... não aprisionar a si e aos outros nas conseqüências negativas dos próprios atos... Com os nossos ‘critérios adquiridos’, o perdão pode parecer impossível, mas o ‘divino em nós’ pode perdoar.

e)     cruz pela qual fomos marcados no batismo, em destaque neste tempo, lembra que somos discípulas/os de Jesus, que superou o fracasso humano da Cruz com um amor que vence a morte. “Sabemos que passamos da morte à vida se amamos os irmãos” (1Jo 3,14).

Repercussões...
‘Somos Todos Um Só. (...) O gesto concreto positivo, ainda que pequeno e isolado, tem repercussão para a humanidade, para o universo, e o mal que fazemos aos outros atinge a nós também (Dalai Lama). Dicas de ouro: tratar os outros como gostaria de ser tratada/o e fazer o bem sem esperar troca (cf. Lc 6,31.35).


[i]    Paulo VI ao aprovar as Normas Universais do Ano Litúrgico e do Novo Calendário.
[ii]  O texto italiano tem esta tradução : “Ó Dio, nostro Padre, com la celebrazione di questa Quaresima, segno sacramentale della nostra conversione, concedi a noi tuoi fedeli di crescere nella conscenza del mistero de Cristo e di testimoniarlo con una degna condotta de vita (...)”. É uma tradução mais fiel ao texto latino. Infelizmente no missal brasileiro esta compreensão da quaresma como ‘sacramento’ ficou oculta.

[iii]  Os evangelhos do ano A, enfatizam a dimensão batismal da Igreja. Correspondem ao esquema mais antigo, ligado ao catecumenato (Samaritana, cego, Lázaro).  No ano B, o acento é colocado sobre a glorificação de Cristo mediante a cruz e sobre a nossa participação no seu mistério (vendilhões do templo, Nicodemos, grão de trigo).

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

QUARESMA E PÁSCOA COMO REALIDADE SIMBÓLICO-SACRAMENTAL

 Quaresma e Campanha da Fraternidade são para nós, no Brasil, quase uma coisa só: tempo de conversão do egoísmo para a fraternidade em preparação à páscoa. Antes do Concílio Vaticano II a quaresma era também tempo de conversão, mas individual. O Concílio Vaticano II afirma que a Quaresma tem uma índole dupla: tempo de lembrança ou preparação para o batismo e tempo de penitência interna e individual, externa e social (Cf. SC 100 e 110). Com a Campanha da Fraternidade o convite à conversão recebe uma conotação especial: não é mais somente o indivíduo que é convocado à conversão, mas a comunidade, a Igreja, a sociedade, o mundo. Como vemos, a Campanha da Fraternidade é tempo de conversão ou penitência individual e social.
            Na caminhada de conversão rumo à vida nova da páscoa nos orientam e animam especialmente as leituras das missas e celebrações da Palavra de Deus aos domingos, sobretudo os Evangelhos. Durante a Quaresma é importantíssimo o caminho catecumenal proposto pela Igreja a todos àqueles que querem acolher a vida nova que vem do encontro com Jesus Cristo, mediante o batismo. Tudo converge para a vida nova: as leituras, os cantos, as orações, o silêncio, o clima de recolhimento, as celebrações penitenciais. A vida nova que os recém-batizados recebem na noite pascal se exprime, na celebração do batismo, por meio da veste branca, da vela acessa, da unção com o crisma.
            Os 50 dias entre Páscoa e Pentecostes são dias de graça e devem ser vividos como um único dia, como um prolongamento da vida nova. Os gestos, as ações e as palavras, sobretudo aquilo que trazemos e fazemos nas celebrações, têm valor simbólico-sacramental, pois nos mostram e realizam em nós e no mundo o Reino, fazendo da Igreja que celebra a quaresma e a Páscoa o grande sinal de salvação erguido no mundo. Estes dias são simbólico-sacramentais.

Referencia Bibliográfica:
AAVV. Ano Litúrgico como realidade simbólico-sacramental. São Paulo: Paulus, 2002, (Cadernos Litúrgicos, n. 11)