quinta-feira, 8 de maio de 2014

A VIRGINDADE CONSAGRADA



            São Paulo escrevendo aos coríntios afirma claramente que o corpo é para o Senhor e o Senhor é para o corpo. E acrescenta: “tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (Cf. 1Cor 6,12-20). De acordo com este texto, quem se une ao Senhor se torna um só espírito com Ele. Portanto, podemos afirmar com segurança que o Celibato juntamente com o Matrimônio constituem duas formas de estarmos a frente de Cristo, perante o mistério de Deus.
Para compreendermos o significado esponsal do corpo precisamos inicialmente lermos e compreendermos os seguintes textos: Gn 2,4b-25; Gn 1; Ef 1,3-14; Mt 19,1-9; Mc 10,1-12; 1Cor 7,10-11 e Fl 1,20. Percebemos que logo de início, na criação, Deus manifesta sua vontade explícita: “não é bom que o homem viva só”. Há, portanto, uma solidão originária na corporeidade. A mulher, criada sem a cooperação do homem, é a resposta da solidão do homem: “essa é carne de minha carne, osso dos meus ossos”(Gn 2,23).
Assim sendo, podemos concluir que o corpo desde o início não pertence a nós. Há sempre a necessidade de referência a alguém: homem/mulher ou Deus. Portanto, nós somos só na medida em que nos entregamos, nos relacionamos, nos damos, no amor. Isto antecede nossa liberdade. Nós não nos pertencemos (cf. 1Cor 6,19).
Nós nos unimos a Cristo não na união da alma, mas na Eucaristia, Corpo de Cristo. O espírito é o coração do corpo. A verdadeira e agradável oferenda feita a Deus é feita no próprio corpo de Cristo que salva todos e tudo. A oferenda, a entrega, o sacrifício no corpo é definitiva, é irreversível. Neste sentido, nós cumprimos a vontade de Deus quando nos entregamos no corpo a Ele (ou um homem ou a uma mulher). A morte é manifestação máxima do amor oblativo, da entrega livre.
É na entrega e na troca do dom de si que a pessoa faz que ela encontra a si mesma, realizando a própria vocação. Cristo na experiência da Cruz mostra que ninguém se entrega a Ele e ao Pai se não pelo corpo. Foi no corpo que Cristo fez a vontade do Pai (Hb 10,5s).
O Gn 2,4bs fala que os dois (Adão e Eva) estavam nus e se uniram para serem fecundos. Essa nudez originária e a falta de vergonha entre ambos expressam uma relação de harmonia, de unidade, de comunhão entre si e deles com a Trindade. Adão e Eva viviam uma perfeita comunhão com a Trindade, uma perfeita e completa sintonia com o Espírito de Deus.
Pela desobediência o corpo não vive mais a sintonia do Espírito (cf. Gl 5,22). Através dos Evangelhos Sinóticos percebemos que Deus Pai se alegra, se compraz com a carne transfigurada de seu Filho (por exemplo: Batismo e Transfiguração), pois ele obedece ao Pai, se sacrifica por nossos pecados. É o sacrifício de Cristo que faz com que a carne do homem volte à sintonia com o Espírito, destruindo as resistências ao Espírito. É a Eucaristia a atualização do único e eterno sacrifício de Cristo que nos possibilita reatarmos a comunhão e a sintonia com o Espírito.
Enfim, o corpo foi pensado e criado para que Jesus fizesse a vontade do Pai. Por isso, ninguém pode entregar-se a Cristo e ao Pai sem ser no corpo e essa entrega é para sempre. O corpo na nudez originária foi pensado por Deus sem pecado para que possamos viver em perfeita e completa sintonia com o Espírito. No combate interior percebemos que o que vivemos e desejamos não é de acordo com o desejo originário. O próprio combate atesta isso. O domínio, a exploração, o prazer erótico são manifestações da não sintonia com o Espírito. O remédio, o meio que temos para tornar-nos mais aptos para vivermos a sintonia com o Espírito, identificando-nos com o sacrifício de Jesus Cristo é, como vimos acima, a Eucaristia, Corpo de Cristo.

Virgindade pelo Reino de Deus

            Como falamos acima a virgindade é a forma pela qual o corpo é para o Senhor e o Senhor é para o corpo. Para ampliarmos nossa reflexão vamos ler os seguintes textos: 1Cor 6,12-20; Mt 19,1-12. Ao consagrar-nos pelo Reino temos que superarmos o parentesco carnal (cf. Mt 12,46-51; Mc 3,31-34; Lc 8,19-21; Mt 10,34s). Não esqueçamos porém que continuará a tensão entre as coisas de Deus e as do mundo (cf. Lc 10,38-42; Jo 11 e 12; 1 Cor 7). Ao ler Mt 19,1-12, perceberemos que o contexto é o da conjugalidade/matrimônio. Vem antecedido pela bênção das crianças, do convite ao desapego feito ao jovem rico e do amor ao dinheiro.
A virgindade não é a perda da corporeidade, da personalidade constituída, formada e sexualmente determinada. Não é recusa da masculinidade ou feminilidade sexualmente determinada. O termo eunuco/castrado já nos ajuda a entender que é preciso renunciar a genitalidade para fazer a total entrega a Deus, pois o virgem, o eunuco vive plenamente a esponsalidade. A continência voluntária por causa do Reino dos céus é a forma sobrenatural de viver a esponsalidade corporal, porque na experiência de continência sobrenatural de Jesus há ausência de uma esposa carnal. Portanto, esta ausência de esponsalidade carnal é eterna. No entanto, a ausência de um marido ou de uma mulher não significa limitar a liberdade, mas ao contrário a enobrece, a exalta, porque faz experimentarmos as realidades celestes.
O consagrado e a consagrada são convidados a representarem sacramentalmente a Cristo, dedicando-se exclusivamente aos fiéis e às coisas de Deus. A ausência de marido ou mulher expressa que a pessoa consagrada é propriedade exclusiva do Senhor. Ao mesmo tempo, exige muito esforço e ascese constante, vigilância e oração, confiança e despojamento nas mãos de Deus.

8.2 Sentido escatológico da virgindade

            A virgindade tem uma relação intrínseca com a Trindade. Ela tem valor escatológico (cf. 1Cor 15,28; 1Cor 7,1-9. 25-40; Mt 25,1-13; Mt 22,23-33; Mc 12,18-21; Lc 20,27-40). São Paulo, retomando as palavras de Jesus, fala que a virgindade é um dom que nem todos compreendem (1Cor 7,7). Ela é um conselho, um convite, um dom que poucos recebem e aceitam. Portanto, se ainda não temos capacidade de auto-domínio dos nossos instintos, paixões e sentimentos não façamos nossa consagração logo, mas vamos esperar mais ou então, procuremos o matrimônio como nos aconselha Paulo(cf. 1Cor 7,9).
            Em 1Cor 7,29-31 temos uma descrição dos tempos escatológicos e um convite para vivermos como se não precisássemos das coisas terrenas, pensando na eternidade da Santíssima Trindade. Compreendendo este mistério podemos afirmar que a virgindade é uma antecipação daquilo que experimentaremos no céu. É um estado de vida escatológico, isto é, antecipa o que seremos criando uma tenção, uma comunhão entre o terrestre e o celeste, entre o divino e o humano. A virgindade é um dom colocado em nós que caracteriza a melhor vida, devido a ligação de vida nova em comunhão com a Trindade. Neste sentido podemos dizer que a virgindade em si e por si é superior ao matrimônio e não o virgem ou a virgem. Ela é uma novidade porque é sobrenatural; o natural é casar-se. 
             É importante lembrar que a vida matrimonial é uma alerta aos virgens, pois lembra a eles que devem viver a comunhão com Deus no corpo, enquanto os virgens lembram aos casais que a entrega no corpo, na conjugalidade, deve levá-los a entregarem-se ao Pai, no Filho, pelo Espírito Santo. Em suma, a virgindade antecipa a união eterna com Cristo.

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