Introdução
O papa João Paulo II falando
da família afirma: “acreditar na família é construir o futuro”. Já o
Mons. Ângelo Ecola, Arcebispo-Patriarca de Veneza, descrevendo sobre a família
diz que é “na família que tudo começa. Ali são geradas novas vidas humanas.
Ali elas crescem, são educadas e se desenvolvem para a maturidade. Ali se
colocam as bases para toda a sua existência humana e cristã, para sua dimensão
individual, pessoal, social e comunitária”[1].
Neste sentido ali se contribui para a forjar a história da humanidade, investir
na família, apostar na família, ajudar a construir sobre rocha firme o futuro
de cada vida nascente e da sociedade como um todo.
Antes de começarmos a falar
diretamente acerca da natureza do Sacramento do Matrimônio gostaríamos de dizer
que Deus é unidade. Trino em pessoas, é uno na diversidade. Deus é
essencialmente simples, sempre é unidade, tende à unidade. Como Criador, Deus
também tende à unidade. Ele colocou no Universo a atração para a unidade – para
fazer, realizar unidade. Entre os seres que eles criou, colocou, na própria
natureza deles, essa atração para a unidade. Atração recíproca de duas
realidades que, embora contrárias, tendem à unidade. Mas, com o ser racional, o
Homem, reflexo da Trindade-Amor, a atração será comandada pela razão e pelo
amor, para que haja a união de corações e de dois corpos que deverão ser “uma
só carne”.
O gesto de um homem e de uma
mulher se doarem no amor e formarem família é sinal do amor de Deus para com a
humanidade. Portanto, é sacramento. É o próprio Deus que escolheu esse exemplo
para falar do seu amor pelo seu povo. Um dos temas centrais da Bíblia é o da
ALIANÇA, ou seja, o contrato de amor que Deus quis assinar com um povo e, em
Jesus com toda a humanidade. A iniciativa desse contrato parte de Deus e
encontra eco, resposta nas pessoas. Deus é fiel a esse contrato e ama
apaixonadamente seu povo, mesmo que este lhe seja infiel – como o marido ama
perdidamente sua esposa e tudo faz por ela.
Matrimônio[2]
1. - Desde o princípio
A união do homem e da mulher
– a que chamamos de Matrimônio – situa-se na ordem da criação de Deus. deus
cria o homem e a mulher para uma comunhão de vida mediante o dom recíproco de
si: pertencem um ao outro, fazem uma unidade. Vejamos o texto bíblico: “ao
vê-la, o homem exclamou: esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne de
minha carne. Ela se chamará mulher... o homem deixará o pai e a mãe para se
unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne... crescei e multiplicai-vos”
(Gn 2,23; Gn 1,28).
Vemos
assim, pela narração bíblica, que foi Deus quem, diretamente, criou a união do
homem e da mulher, ou melhor, foi Deus quem instituiu o Sacramento do
Matrimônio. Mas esta união não é simplesmente entre dois corpos: é uma união
entre dois seres humanos, dois filhos de Deus. uma união que fará viver, “numa
só carne”, dois seres racionais, dois corações. E, nessa união, Deus não pode
ficar desconhecido.
2. - O casório de Deus com a humanidade
A Bíblia, principalmente os
profetas, usa a imagem do amor esponsal entre o homem e a mulher para dar a
idéia do amor de Deus à criatura humana e ao seu povo: a aliança de Deus com o
seu povo. desde aí, da Sagrada Escritura, o Matrimônio já adquire, pela vontade
de Deus, um alcance sagrado, diríamos sacramental. E isso não por força
de um gesto ritual extrínseco, mas em virtude de sua realidade natural. Isto é:
Matrimônio como instituição humana contém uma referência sobrenatural, da fé,
que depois virá explicada, iluminada pela revelação e pela própria Igreja. O
profeta Oséias diz que Deus é o esposo fiel, e o povo é a esposa infiel (Cf. Os
1,1-3,1-5). O profeta Jeremias também usa a mesa comparação (Jr 3,1-13). Isaías
diz que Deus nunca pensou em se divorciar de seu povo (Is 51,1; 54,5-8). Ler Ez
16,8-62.
O Matrimônio é lembrado como
sinal, símbolo da união de Deus com a Humanidade, refletindo o mistério da
encarnação do Filho de Deus. Por isso ele é também chamado Matrimônio da
criação: “no princípio, tudo foi feito pelo Verbo e sem ele nada foi feito” (Jo
1,1-3). No Evangelho, na discussão sobre o Matrimônio, Cristo remete o
casamento ao plano da criação: “no princípio não era assim...” Por isso ele
diz: “Não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19,4-7).
Como vemos Jesus não trouxe
uma nova legislação sobre o Matrimônio. Simplesmente recorda o que Deus criou:
“No princípio...” Jesus aponta para uma situação nova, com referência à
decadência do passado que, como outras realidade (o amor, o perdão, a
fidelidade, etc) também o Matrimônio têm que ser visto na nova dimensão (Mt
19,4-6; 5,31-32; Mc 10,1-12). No entanto, quem nos dá a imagem completa,
sacramental do Matrimônio como “casamento de Deus com a Humanidade” é São Paulo
quando compara a união do homem e da mulher com a união de Cristo com a Igreja.
3. - Matrimônio de Cristo com a Igreja
Vamos ler Ef 5,21-32. Como vemos o
Matrimônio é um Sacramento, isto é, a união do homem e a da mulher é o sinal da
união de Cristo com sua Igreja. Portanto, a união de Cristo com a Igreja é uma
realidade sobrenatural, do qual o casamento humano é símbolo. Deixemos de lado
a mentalidade cultural do apóstolo, que faz aceno a “submissão da mulher ao
marido”, percebemos claramente a comparação que o Espírito Santo faz, através
de Paulo, entre a união dos esposos e a união de Cristo com a Igreja.
O Matrimônio cristão (agora já
podemos falar de matrimônio cristão) está em relação real, essencial,
intrínseca, com o mistério da união de Cristo com sua Igreja: é nesse mistério
que ele tem sua raiz. E mais: o Matrimônio não é somente símbolo da união de
Cristo com a Igreja: o Matrimônio reproduz em si mesmo realmente, mostrando-a
ativa e eficiente dentro de si. É a ação santificadora de Cristo aplicada aos
cônjuges, através da mediação da Igreja.
Daí entende-se que, se o Matrimônio
é a figura viva da união indissolúvel de fidelidade entre Cristo e a Igreja, o
comportamento dos cônjuges deve inspirar-se na realidade-modelo da qual o
casamento é sinal.
Deus desposou a Humanidade pela
encarnação do Verbo. Assim também, a Igreja pede aos maridos e às mulheres que,
dando-se uns aos outros, no amor à vida, aceitem a honra e a graça de
significarem e viverem essa aliança de Cristo com sua Igreja, constituindo o
sinal-sacramento de salvação visível a todos.
4. - O
sacramento através da história
Nas origens do Cristianismo não
havia um esquema cristão para a realização do Matrimônio. Até o século II os
cristãos casavam-se como todo mundo: os pais abençoavam os esposos. Era assunto
familiar. Nem diante do Estado se casavam. No entanto, não deixava de ser um sacramento,
embora somente mais tarde assim fosse chamado.
Nos três primeiros séculos, havia o
costume de convidar o bispo ou seu representante, como Jesus fora convidado em
Cana da Galiléia (Jo 2). Aí, depois que o pai de família abençoava os nubentes,
o bispo era convidado a também abençoar o casal. O bispo ou o sacerdote fazia
então uma oração e impunha as mãos para a benção: mas era um gesto particular,
pessoal, não uma benção nupcial propriamente dita.
No século IV, após as perseguições,
esse gesto tornou-se costumeiro, de praxe. Assim o casamento, eclesial
para os cristãos, embora fosse assunto totalmente profano (como o dos outros),
vai lentamente entrando na Liturgia. Vai se tornando eclesiástico,
sacralizado, através da cerimônia nupcial. Assim, a partir do século VII passa
a integrar os livros litúrgicos oficiais, os assim chamados sacramentários.
Embora não houvesse casamentos
“perante o Estado”, pois era assunto pessoal e familiar, havia entretanto um
Direito Matrimonial para resolver casos e litígios que apareciam entre os
esposos.
A presença da Igreja nos primeiros
séculos não era, pois, taxativa. Pedia-se, em geral, a presença do bispo. Santo
Inácio (séc. II) escrevia: “em relação aos esposos e esposas, convém que celebrem
o seu enlace com o conhecimento do bispo... Que tudo se faça para a glória de
Deus.”
Assim, durante 1.000 anos a Igreja
não faz o casamento: só acolhe o casamento costumeiro. Só nos
séculos XI-XII o casamento torna-se litúrgico e canônico. Não havia, até aí,
uma “teologia do matrimônio”. Durante os séculos XI-XII é que amadurece a idéia
do Matrimônio como sacramento propriamente dito, simbolizando e conferindo o
amor que une cristo à Igreja. E depois?
5. - O
sacramento atravessando a história
Aos poucos a exigência da presença
oficial da Igreja no processo, na celebração do casamento, foi ficando mais
rígida. Não para a validade do casamento, pois era baseado na troca de
consentimento do homem e da mulher. A Igreja pedia sua presença, mas reconhecia
o direito natural do matrimônio, direito esse inerente à pessoa humana.
Assim, subsistiam então dois tipos
de casamentos: o público, realizado com as solenidades prescritas pela
Igreja, e o clandestino, válido também. Essa situação veio até o
Concílio de Trento (1545) que, daí declarou inválidos, daí em diante, os
casamentos que fossem celebrados clandestinamente. O Concílio declarou
que, daí em diante para a validade do matrimônio, requeria-se sua celebração
realizada diante do pároco (ou seu representante) e duas testemunhas. Mas a
aplicação do Concílio não era geral, universal, pois havia regiões, como a
Alemanha, onde os Príncipes não aceitaram as decisões do Tridentino. Somente em
1917, na prática, com o novo Código do Direito canônico, é que se torna vigente
para a Igreja Universal aquela fórmula canônica para a validade do casamento.
No século XVI, no Concílio de
Trento, juntamente com a exigência da forma que vimos acima, foi também
reafirmada a indissolubilidade do Matrimônio e seu caráter monogâmico: uma
esposa só. A sacramentalidade do Matrimônio, já admitida no 2º Concílio de Lião
(1274), depois de ensinada implicitamente através dos séculos, é agora definida
dogmaticamente pelo Concílio de Trento: “É um dos sete sacramentos instituídos
por Cristo, confere a graça que significa e completa o amor conjugal dos
cônjuges”.
6. - O que é o
matrimônio?
O Matrimônio é o sacramento da
família, da vida familiar com Cristo. Ou ainda: é o sacramento que abençoa e
consagra o homem e a mulher, num contrato sagrado e indissolúvel, para se
amarem, procriarem e educarem seus filhos.
Já vimos porque o Matrimônio é um
sacramento: porque a união do homem e da mulher é o sinal, está na linha, na
dimensão da união de Cristo com sua Igreja. Isto está muito claro na leitura de
Ef 5,21-32.
O Matrimônio abençoa e consagra
a união do homem e da mulher: esse caráter sagrado, como vimos, é anterior
a Ef 5,21-32: Deus já consagra essa união no início da Criação e os
Profetas sempre a têm comparado co a união, o relacionamento de Deus com a
Humanidade, como povo de Israel.
Como sacramento, o Matrimônio tem um
caráter, uma finalidade salvifica: santificar os esposos, santificar os
filhos, santificar a família. O Matrimônio é recebido como sacramento cristão
por duas pessoas já consagradas pelo Batismo. Portanto, o esposo e a esposa
deverão dizer um ao outro: “Você é uma graça que Cristo me faz para me ajudar
na minha santificação, na vivência do Plano de Deus”. E os filhos poderão dizer
também: “Papai e mamãe são uma graça que Cristo nos dá para nos ajudar a sermos
santos na realização do Plano, do Reino de Deus”. E o mundo, a Igreja toda
deverá poder dizer: “Este casal, por sua vivência, lembra-nos e traz-nos a
presença de Cristo unido à sua Igreja. É um Matrimônio que nos ajuda, com seu
testemunho a realizar o Plano de Deus”.
Aqui está a finalidade
santificadora, salvifica do sacramento do Matrimônio. Queridos casais cristãos,
vocês podem confirmar isso?
7. - Para se
amarem e procriarem
Como já vimos a definição do Matrimônio:
“O Matrimônio é um sacramento que abençoa e consagra o homem e a mulher, num
contrato sagrado e indissolúvel, para se amarem, procriarem e educarem seus
filhos”.
Quando Deus criou os primeiros
homens, criou-os já adultos, segundo a Bíblia nos conta. Mas para a
multiplicação do gênero humano. Deus “muda de idéia”, muda o plano. Deus quer
realizar isso através de um ato de amor, de um acontecimento-amor. Aliás,
depois que Deus repartiu com o Homem sua imagem e semelhança, fazendo do Homem
seu filho, isto é, fazendo-o participante da própria vida e natureza divinas,
pela Graça, pela filiação divina, daí para frente, Deus vai repartir tudo com o
filho. O Filho não é aquele que recebe dos pais a natureza, a vida, a
fisionomia que ele tem? Assim, depois que Deus fez do homem seu filho, como
obra suprema da criação, tudo o mais será obra e manifestação desse amor. Assim
também a multiplicação do gênero humano, a procriação, a geração dos seres
humanos devem partir do amor, de uma to de amor. Deus já fizera o homem e a
mulher para se realizarem “a dois”, “numa carne só”. A essa finalidade
pessoal-essencial-fudnamental, Deus junta ou dela faz recorrer a outra
finalidade social-essencial-fundamental do Matrimônio, por ele criada na
origem: a procriação, a multiplicação do gênero humano. Deus torna fecundo o
amor entre o homem e a mulher, e o fruto desse amor são os filhos.
Portanto, Deus está repartindo
com os homens (homem e mulher) o poder que lhe é único: o poder criador. Torna,
por assim dizer, o homem e a mulher concriadores com ele, Deus. é a
fecundidade do amor. Fecundidade do amor abençoado por Deus. Em casos
particulares, por disposição e circunstâncias da própria natureza criada por
Deus, poderá não se verificar a fecundação que o enlace do amor e a união dos
corpos “numa só carne” permitiria: “e os suspirados filhos não vêm. Isto não
impedirá a finalidade do Matrimônio: “para se amarem...”.
O significado
das alianças[3]
As alianças que marido e mulher usam
na mão são sinais da fidelidade e da pertença um ao outro. Sendo fiéis um ao
outro, os esposos dão provas de fidelidade ao Senhor. Amando-se estão amando a
Deus. Na Bíblia existe uma passagem importante a esse respeito. Trata-se do
dilúvio, do qual Noé e sua família são salvos (Cf. Gn 8). Depois do dilúvio,
Deus abençoa a humanidade renovada (Cf. Gn 9,1-7; comparar com Gn 1,26-30), e
renova a aliança com a família de Noé (Cf. Gn 9,8-11). O arco-íris é sinal da
grande Aliança do Criador com suas criaturas (Cf. 9,12-17). O arco era uma arma
de guerra. Mas Deus não usa uma arma que mata. Seu arco, sua “aliança” é um
sinal de paz e reconciliação. É sinal de vida nova.
As alianças que os esposos usam
querem significar todo o amor que Deus sente pela humanidade. São um selo de
fidelidade: Deus não castigará as pessoas, mas as tratará com misericórdia.
Assim, quando o ministro do matrimônio (padre) benze as alianças que os esposos
usarão na mão, está representando Deus que se recorda do seu contrato de amor
conosco. O casal que é fiel a seu compromisso está sendo fiel ao Criador e
tornando concreto e atual o contrato amoroso de Deus com seu povo.
As alianças são um simples sinal.
Muitos casais não as usam, mesmo assim, elas conservam seu significado. O mais
importante, porém, é ser fiel a quem jurou fidelidade. Quem é infiel ao
companheiro de casamento está quebrando a Aliança com Deus.
Quem celebra o matrimônio?
Costumamos
ouvir: “O padre fez o casamento”. No entanto, quem realiza o matrimônio não é o
padre: são os noivos. Eles são os ministros do próprio matrimônio. O padre (o
diácono ou o leigo que serve de testemunha qualificada), representando a
Igreja, abençoa – em nome de Deus – as promessas e os juramentos que os noivos
fazem. Este é o único sacramento em que os ministros são os noivos, e não o padre
ou o diácono ou leigo. Portanto, quem celebra o matrimônio são os noivos.
Bibliografia:
1. BORTOLINI,
José. Os Sacramentos em sua Vida. São Paulo: Paulus, 2002.
2. RIBÓLLA,
José, C. SS. R. Os Sacramento Trocados em miúdo. Aparecida-SP: Santuário, 1990.
3. SCOLA,
Ângelo. Mistério Nupcial. Bauru, SP: EDUSC; Salvador, BA: Pontifício Instituto
João Paulo II para estudos sobre Matrimônio e Família, 2003.
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