segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Revelação Divina


Pe. Márcio Pinheiro
1. A Divina Revelação
1.1. Elementos básicos da Revelação Divina[1]
O cristianismo não é uma religião que simplesmente transmite verdades e normas de conduta, mas é, antes de tudo, uma religião que vive a experiência histórica da manifestação pessoal de Deus. Precisamente por isso, a revelação é um dos distintivos característicos de nossa fé. Deus se revelou, se manifestou em nossa história, falou ao homem por meio de fatos e palavras, quis mostrar-nos a realidade de seu ser e de seu desígnio amoroso para conosco. Deus se nos revela e ao mesmo tempo nos convida a responder com a fé. É ele quem inicia o diálogo interpessoal que interpela o mais profundo de nossa existência.
Etimologicamente, a palavra revelação vem dos termos latinos “revelare”, “revelatio”, que significam remoção de um véu que esconde alguma coisa de nossa vista. No contexto religioso, indica a manifestação de Deus e de seus decretos, ocultos à razão humana, secretos e íntimos. Como atividade pessoal de Deus e de sua livre iniciativa, a revelação é um gesto de amor por meio do qual o Senhor vem ao encontro dos homens e entra em contato conosco para dialogar e nos chamar a obediência da fé, tendo em vista uma comunhão de vida. A revelação se apresenta, antes de tudo, como a forma histórica da salvação; ela acontece como história salvífica. A história da salvação se realiza e adquire um caráter peculiar precisamente porque nela acontece a revelação.
Ao falar da revelação, devemos levar em conta que se trata de uma manifestação contínua de Deus aos homens que vai se realizando de acordo com uma maravilhosa pedagogia, conforme é próprio de um Deus pessoal que quer se comunicar com o homem. A criação do homem já foi o primeiro passo dentro da própria revelação. O homem, com efeito, foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), com capacidade de se relacionar com um ser pessoal. A máxima participação e manifestação de Deus foi realizada de uma maneira pessoal em seu Filho Jesus Cristo; nEle Deus se revelou a Si mesmo e realizou definitivamente o encontro salvífico entre Deus e o homem. Jesus é, então, a plenitude e o centro da revelação.

1.2. A Teologia da Graça[2]
            Antes de tudo devemos nos perguntar: Mas, o que é a graça[3]? Para entendê-lo vamos começar da linguagem corrente. Que significa, para nós, a palavra graça? O significado mais comum, acessível a todos é o de beleza, fascinação, amabilidade, indulgência, perdão das penas. Na linguagem bíblica, especialmente no Antigo Testamento encontramos a palavra graça com vários adjetivos: misericórdia, benefício (Ex 33,12.19; 34,6), qualidade ou efeito do favor divino que torna a pessoa bela, encantadora, amável (Cf. Sl 45,3; Pr 5,19; Ez 16,18ss). No Novo Testamento temos uma novidade: a graça de Deus não mais é um dom, mas o próprio Jesus Cristo, o Filho de Deus, a graça encarnada presente na história e na vida de cada cristão, de cada discípulo. Assim podemos falar de “graça de Cristo” (1 Cor 1,4), “graça de Deus” (At 14,3; 20,32; 1Cor 15,10; 2Cor 6,1; 12,9; ; Ef 2,8; 2Tm 1,6; Tt 2,11).
Segundo o Catecismo da Igreja Católica a graça é um favor, um socorro gratuito que Deus nos dá para responder a seu convite: tornar-nos filhos de Deus (Jo 1,12-18), filhos adotivos (Rm 8,14-17), participantes da natureza divina (2Pd 1,3-4), da Vida Eterna (Jo 17,3). A graça é uma participação na vida divina; introduz-nos na intimidade da vida trinitária. Pelo batismo, o cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça de seu corpo. Como “filho adotivo”, pode doravante chamar a Deus de “Pai”, em união com o Filho único. Recebe a vida do Espírito que nele infunde a caridade e forma a Igreja.
            A graça de Cristo é um dom gratuito que Deus nos faz de sua vida infundida pelo Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santifica-la; trata-se da graça santificante ou edificante, recebida no Batismo. Em nós ela é a fonte da obra santificadora (Jo 4,17; 7,38-39). A graça santificante é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural para aperfeiçoar a própria alma e a tornar capaz de viver com Deus, agir por seu amor. Deve-se distinguir a graça habitual, disposição permanente para viver e agir conforme o chamado divino, e as graças atuais que designam as intenções divinas, quer na origem da vocação, quer no decorrer da obra de santificação.
            A preparação do homem para acolher a graça já é uma obra da graça. A graça é antes de tudo um dom do Espírito que nos justifica e nos santifica. A graça compreende os dons que o Espírito nos concede para nos associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar com a salvação dos outros e com o crescimento do corpo de Cristo, a Igreja. São as graças sacramentais, dons próprios dos diferentes sacramentos. São, além disso, as graças especiais, designadas também de “carismas”, segundo a palavra grega empregada por São Paulo, e que significa favor, dom gratuito, benefício (LG 12). Acham-se a serviço da caridade que edifica a Igreja (1Cor 12). Entre as graças especiais, convém mencionar as graças de estado que acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja.
            Sendo de ordem sobrenatural, a graça escapa à nossa experiência e só pode ser conhecida pela fé. Não podemos portanto nos basear em nossos sentimentos ou em nossas obras para daí deduzir que estamos justificados e salvos. No entanto, segundo a palavra do Senhor: “É pelos seus frutos que conhecereis” (Mt 7,20), a consideração dos benefícios de Deus em nossa vida e na dos santos nos oferece uma garantia de que a graça está operando em nós e nos incita a uma fé sempre maior e a uma atitude de pobreza confiante.

1.3. A Virgem Maria na vida do cristão e da Igreja[4]
            Maria é uma das figuras extraordinariamente mais conhecida por todos nós, devido está intimamente ligada a vida de Jesus e a nossa, enquanto discípulos de Jesus Cristo, porém, no Novo Testamento não se fala com freqüência dela. Entretanto, se prestarmos atenção, perceberemos que ela não está ausente de nenhum dos três momentos constitutivos do mistério cristão: Encarnação (porque aconteceu nela), Mistério Pascal (porque esta escrito: “junto da cruz de Jesus estava Maria sua mãe” {Jo 19,25}) e Pentecostes (porque está escrito que os apóstolos, “unânimes, perseveravam na oração com Maria, a mãe de Jesus” {At 1,14}).
            Só podemos descobrir através do olhar da fé, tendo em mente o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, no seu desígnio salvífico, quis que seu Filho nascesse de uma virgem. Estas razões tocam tanto a pessoas e a missão redentora de Cristo quanto o acolhimento desta missão por Maria em favor de todos os homens. Maria é ao mesmo tempo Virgem e Mãe por ser a figura e a mais perfeita realização da Igreja (LG 63). A Igreja... trona-se também ela Mãe. Pois pela pregação e pelo Batismo ela gera para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito Santo e nascidos de Deus. Ela é também a virgem íntegra e puramente guarda a palavra dada a seu Esposo (LG 64).
            Maria é a proclamação viva, concreta, que a graça de Deus é realidade primordial no relacionamento entre Deus e as criaturas. Maria, e junto com ela qualquer outra criatura, é cheia de graça num sentido passivo, como aquela que é preenchida de graça. Assim Maria é uma espécie de ícone vivo desta misteriosa graça de Deus. Ela lembra e proclama à Igreja em primeiro lugar: tudo é graça.
            Podemos afirmar que Maria é uma carta escrita não com tinta, mas com o Espírito Santo, não em tábuas de pedras como, a antiga lei, nem em pergaminho ou papiro, mas em carne que é o seu coração de crente e de mãe. A Tradição recolheu este pensamento, falando de Maria como de “uma tabuazinha encerrada” sobre a qual Deus pôde escrever livremente tudo o que quis (Orígenes); como de “um livro grande e novo” no qual o Espírito Santo escreveu (Santo Epifânio), ou como “o volume, no qual o Pai escreveu o seu Verbo” (Liturgia bizantina).
            Enfim, o que a fé católica crê acerca de Maria funda-se no que ela crê acerca de Cristo, mas o que a fé ensina sobre Maria ilumina, por sua vez, a sua fé em Cristo.                 

1.4. A Teologia e espiritualidade Paulina na vida do Pregador e na sua pregação[5]
            As cartas de Paulo expressam e defendem com vigor a concepção segundo a qual o impulso e a realidade da salvação e da revelação se entrelaçam (cf. 2Cor 2,14-15). Essa convicção parte de sua experiência pessoal, já que ele está consciente de que seu encontro com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco tinha constituído um movimento inesperado para uma nova vida (Gl 1,11ss) e que o iniciou numa vida em Cristo. Paulo é o intérprete fiel do movimento que identifica o último tempo esperado e o tempo de Cristo (cf. Gl 4,4ss) e por ele cria em torno de Jesus Cristo uma verdadeira teologia da revelação. Para o apóstolo, com efeito, a revelação é o progressivo conhecimento do mistério escondido ao longo dos séculos (1 Cor 2,6-9) que agora é anunciado, revelado (Rm 16,25-27) e manifestado em Cristo (Ef 1,9), o qual por sua morte e ressurreição, se constitui no centro de uma nova economia e no único princípio de salvação (Ef 1,7; 2,1-10). Esse mistério foi dado a conhecer às nações pelo Evangelho e pela pregação, para levar todos à fé e à obediência (Rm 16,26) de Cristo, já que, definitivamente o mistério é Cristo (16,25; Cl 1,26-27; 1Tm 3,16).
            De acordo com o conteúdo de suas cartas, percebe-se que Paulo tem clara convicção de que em Cristo se encontra a plena realização histórica de todas as promessas divinas (cf. Gl 4,4; Ef 1,10), de modo que, no Filho, Deus nos elegeu, nos fez filhos adotivos (Ef 1,4-6), redimindo-nos mediante o sacrifício da cruz e conseguindo a remissão dos pecados.

1.5. A Teologia e espiritualidade Joanina na vida do Pregador e na sua pregação[6]
            Nos Sinóticos, nos Atos dos Apóstolos e nas epístolas de são Paulo, a palavra de Deus é a designação que se dá à mensagem evangélica. A grande novidade de João é o Logos. O Cristo é a Palavra eterna, subsistente, pessoal; realiza-se a revelação porque essa Palavra se fez carne para nos falar do Pai (cf. Prólogo).
            o Evangelho de João se mostra como o evangelho da revelação por excelência, no qual Jesus vai manifestando os diferentes aspectos de sua pessoa e de sua obra: “Eu sou” o bom pastor (10,14), o verdadeiro pão (6,48), a luz do mundo (8,12), o caminho, a verdade e a vida (14,6), a ressurreição (11,26), até culminar com o “Eu sou” absoluto (8,58) que evoca a manifestação divina do Êxodo (cf. Ex 3,14). O prólogo constitui como que um resumo da história das manifestações de Deus através de sua Palavra. Cristo é o vértice da revelação, pois se “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho Único”, não podemos esperar mais. Nele se tem a comunicação definitiva da salvação graças à qual não perecemos, mas temos a vida eterna (3,16), porque experimentamos a grandeza de seu amor e adquirimos a possibilidade de compartilhar da vida eterna como filhos “renascidos” (1,12).
            Para descrever a revelação que acontece em Jesus Cristo, João o apresenta como o Filho que revela o Pai (1,18), porque o conhece (7,29), e como testemunha fiel (Ap 1,5; 3,14) que fala a verdade que ouviu de Deus (Jo 8,40) e cuja missão é dar testemunho da verdade (18,37), ou seja, do que Ele mesmo é (3,16; 17,3) porque foi enviado pelo Pai (3,24; 17,8). A palavra do Cristo coloca o homem ante uma opção decisiva: a favor ou contra a vida. Jesus não veio para julgar (3,17; 12,47), mas para salvar (3,16-21) e para dar a vida (10,10). Assim, quem acolhe Cristo e acredita em sua Palavra está salvo e torna-se uma nova criatura (3,3), um filho de Deus (1,12), vivificado, eluminado, santificado, chamado à vida eterna (3,16), à visão (1Jo 3,1-2).

Bibliografia Consultada
1.      ARENAS, Octavio Ruiz. Jesus, Epifania do amor do Pai. São Paulo: Loyola, 2001.
2.      CANTALAMESSA, Raniero. Maria um espelho para a Igreja. Aparecida, SP: Santuário, 1992.
3.      Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 1992.
4.      GONZÁLEZ, Carlos Ignácio. Maria evangelizada e evangelizadora. São Paulo: Loyola, 1990.
5.      LATOURELLE, René. A Teologia da Revelação. São Paulo: Paulinas, 1985.
6.      VÁRIOS AUTORES. Jesus Cristo. São Paulo: Cidade Nova, 1983.
7.      Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação.


[1] Cf. ARENAS, Octavio Ruiz. Jesus, Epifania do amor do Pai. São Paulo: Loyola, 2001; LATOURELLE, René. A Teologia da Revelação. São Paulo: Paulinas, 1985.
[2] Cf. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 1992, nn. 1996-2005.
[3] Cf. CANTALAMESSA, Raniero. Maria um espelho para a Igreja. Aparecida, SP: Santuário, 1992, pp. 14-17.
[4] Cf. GONZÁLEZ, Carlos Ignácio. Maria evangelizada e evangelizadora. São Paulo: Loyola, 1990; Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 1992, nn.487-511; CANTALAMESSA, Raniero. Maria um espelho para a Igreja. Aparecida, SP: Santuário, 1992.
[5] Cf. ARENAS, Octavio Ruiz. Jesus, Epifania do amor do Pai. São Paulo: Loyola, 2001, p. 107.
[6] Idem., pp. 106-107.

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