terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO - DIMENSÃO BÍBLICO-TEOLÓGICA

 Pe. Márcio Pinheiro

INTRODUÇÃO

O papa João Paulo II falando da família afirma: “acreditar na família é construir o futuro”. Já o Mons. Ângelo Ecola, Arcebispo-Patriarca de Veneza, descrevendo sobre a família diz que é “na família que tudo começa. Ali são geradas novas vidas humanas. Ali elas crescem, são educadas e se desenvolvem para a maturidade. Ali se colocam as bases para toda a sua existência humana e cristã, para sua dimensão individual, pessoal, social e comunitária[1]. Neste sentido ali se contribui para a forjar a história da humanidade, investir na família, apostar na família, ajudar a construir sobre rocha firme o futuro de cada vida nascente e da sociedade como um todo.
Antes de começarmos a falar diretamente acerca da natureza do Sacramento do Matrimônio gostaríamos de dizer que Deus é unidade. Trino em pessoas, é uno na diversidade. Deus é essencialmente simples, sempre é unidade, tende à unidade. Como Criador, Deus também tende à unidade. Ele colocou no Universo a atração para a unidade – para fazer, realizar unidade. Entre os seres que eles criou, colocou, na própria natureza deles, essa atração para a unidade. Atração recíproca de duas realidades que, embora contrárias, tendem à unidade. Mas, com o ser racional, o Homem, reflexo da Trindade-Amor, a atração será comandada pela razão e pelo amor, para que haja a união de corações e de dois corpos que deverão ser “uma só carne”.
O gesto de um homem e de uma mulher se doarem no amor e formarem família é sinal do amor de Deus para com a humanidade. Portanto, é sacramento. É o próprio Deus que escolheu esse exemplo para falar do seu amor pelo seu povo. Um dos temas centrais da Bíblia é o da ALIANÇA, ou seja, o contrato de amor que Deus quis assinar com um povo e, em Jesus com toda a humanidade. A iniciativa desse contrato parte de Deus e encontra eco, resposta nas pessoas. Deus é fiel a esse contrato e ama apaixonadamente seu povo, mesmo que este lhe seja infiel – como o marido ama perdidamente sua esposa e tudo faz por ela.

MATRIMÔNIO[2]

 1. - DESDE O PRINCÍPIO
            A união do homem e da mulher – a que chamamos de Matrimônio – situa-se na ordem da criação de Deus. deus cria o homem e a mulher para uma comunhão de vida mediante o dom recíproco de si: pertencem um ao outro, fazem uma unidade. Vejamos o texto bíblico: “ao vê-la, o homem exclamou: esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne de minha carne. Ela se chamará mulher... o homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne... crescei e multiplicai-vos” (Gn 2,23; Gn 1,28).
            Vemos assim, pela narração bíblica, que foi Deus quem, diretamente, criou a união do homem e da mulher, ou melhor, foi Deus quem instituiu o Sacramento do Matrimônio. Mas esta união não é simplesmente entre dois corpos: é uma união entre dois seres humanos, dois filhos de Deus. uma união que fará viver, “numa só carne”, dois seres racionais, dois corações. E, nessa união, Deus não pode ficar desconhecido.

2. - O CASÓRIO DE DEUS COM A HUMANIDADE

A Bíblia, principalmente os profetas, usa a imagem do amor esponsal entre o homem e a mulher para dar a idéia do amor de Deus à criatura humana e ao seu povo: a aliança de Deus com o seu povo. desde aí, da Sagrada Escritura, o Matrimônio já adquire, pela vontade de Deus, um alcance sagrado, diríamos sacramental. E isso não por força de um gesto ritual extrínseco, mas em virtude de sua realidade natural. Isto é: Matrimônio como instituição humana contém uma referência sobrenatural, da fé, que depois virá explicada, iluminada pela revelação e pela própria Igreja. O profeta Oséias diz que Deus é o esposo fiel, e o povo é a esposa infiel (Cf. Os 1,1-3,1-5). O profeta Jeremias também usa a mesa comparação (Jr 3,1-13). Isaías diz que Deus nunca pensou em se divorciar de seu povo (Is 51,1; 54,5-8). Ler Ez 16,8-62.
O Matrimônio é lembrado como sinal, símbolo da união de Deus com a Humanidade, refletindo o mistério da encarnação do Filho de Deus. Por isso ele é também chamado Matrimônio da criação: “no princípio, tudo foi feito pelo Verbo e sem ele nada foi feito” (Jo 1,1-3). No Evangelho, na discussão sobre o Matrimônio, Cristo remete o casamento ao plano da criação: “no princípio não era assim...” Por isso ele diz: “Não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19,4-7).
Como vemos Jesus não trouxe uma nova legislação sobre o Matrimônio. Simplesmente recorda o que Deus criou: “No princípio...” Jesus aponta para uma situação nova, com referência à decadência do passado que, como outras realidade (o amor, o perdão, a fidelidade, etc) também o Matrimônio têm que ser visto na nova dimensão (Mt 19,4-6; 5,31-32; Mc 10,1-12). No entanto, quem nos dá a imagem completa, sacramental do Matrimônio como “casamento de Deus com a Humanidade” é São Paulo quando compara a união do homem e da mulher com a união de Cristo com a Igreja.

 3. - MATRIMÔNIO DE CRISTO COM A IGREJA

            Vamos ler Ef 5,21-32. Como vemos o Matrimônio é um Sacramento, isto é, a união do homem e a da mulher é o sinal da união de Cristo com sua Igreja. Portanto, a união de Cristo com a Igreja é uma realidade sobrenatural, do qual o casamento humano é símbolo. Deixemos de lado a mentalidade cultural do apóstolo, que faz aceno a “submissão da mulher ao marido”, percebemos claramente a comparação que o Espírito Santo faz, através de Paulo, entre a união dos esposos e a união de Cristo com a Igreja.
            O Matrimônio cristão (agora já podemos falar de matrimônio cristão) está em relação real, essencial, intrínseca, com o mistério da união de Cristo com sua Igreja: é nesse mistério que ele tem sua raiz. E mais: o Matrimônio não é somente símbolo da união de Cristo com a Igreja: o Matrimônio reproduz em si mesmo realmente, mostrando-a ativa e eficiente dentro de si. É a ação santificadora de Cristo aplicada aos cônjuges, através da mediação da Igreja.
            Daí entende-se que, se o Matrimônio é a figura viva da união indissolúvel de fidelidade entre Cristo e a Igreja, o comportamento dos cônjuges deve inspirar-se na realidade-modelo da qual o casamento é sinal.
            Deus desposou a Humanidade pela encarnação do Verbo. Assim também, a Igreja pede aos maridos e às mulheres que, dando-se uns aos outros, no amor à vida, aceitem a honra e a graça de significarem e viverem essa aliança de Cristo com sua Igreja, constituindo o sinal-sacramento de salvação visível a todos.

4. - O sacramento através da história
            Nas origens do Cristianismo não havia um esquema cristão para a realização do Matrimônio. Até o século II os cristãos casavam-se como todo mundo: os pais abençoavam os esposos. Era assunto familiar. Nem diante do Estado se casavam. No entanto, não deixava de ser um sacramento, embora somente mais tarde assim fosse chamado.
            Nos três primeiros séculos, havia o costume de convidar o bispo ou seu representante, como Jesus fora convidado em Cana da Galiléia (Jo 2). Aí, depois que o pai de família abençoava os nubentes, o bispo era convidado a também abençoar o casal. O bispo ou o sacerdote fazia então uma oração e impunha as mãos para a benção: mas era um gesto particular, pessoal, não uma benção nupcial propriamente dita.
            No século IV, após as perseguições, esse gesto tornou-se costumeiro, de praxe. Assim o casamento, eclesial para os cristãos, embora fosse assunto totalmente profano (como o dos outros), vai lentamente entrando na Liturgia. Vai se tornando eclesiástico, sacralizado, através da cerimônia nupcial. Assim, a partir do século VII passa a integrar os livros litúrgicos oficiais, os assim chamados sacramentários.
            Embora não houvesse casamentos “perante o Estado”, pois era assunto pessoal e familiar, havia entretanto um Direito Matrimonial para resolver casos e litígios que apareciam entre os esposos.
            A presença da Igreja nos primeiros séculos não era, pois, taxativa. Pedia-se, em geral, a presença do bispo. Santo Inácio (séc. II) escrevia: “em relação aos esposos e esposas, convém que celebrem o seu enlace com o conhecimento do bispo... Que tudo se faça para a glória de Deus.”
            Assim, durante 1.000 anos a Igreja não faz o casamento: só acolhe o casamento costumeiro. Só nos séculos XI-XII o casamento torna-se litúrgico e canônico. Não havia, até aí, uma “teologia do matrimônio”. Durante os séculos XI-XII é que amadurece a idéia do Matrimônio como sacramento propriamente dito, simbolizando e conferindo o amor que une cristo à Igreja. E depois?

5. - O sacramento atravessando a história
            Aos poucos a exigência da presença oficial da Igreja no processo, na celebração do casamento, foi ficando mais rígida. Não para a validade do casamento, pois era baseado na troca de consentimento do homem e da mulher. A Igreja pedia sua presença, mas reconhecia o direito natural do matrimônio, direito esse inerente à pessoa humana.
            Assim, subsistiam então dois tipos de casamentos: o público, realizado com as solenidades prescritas pela Igreja, e o clandestino, válido também. Essa situação veio até o Concílio de Trento (1545) que, daí declarou inválidos, daí em diante, os casamentos que fossem celebrados clandestinamente. O Concílio declarou que, daí em diante para a validade do matrimônio, requeria-se sua celebração realizada diante do pároco (ou seu representante) e duas testemunhas. Mas a aplicação do Concílio não era geral, universal, pois havia regiões, como a Alemanha, onde os Príncipes não aceitaram as decisões do Tridentino. Somente em 1917, na prática, com o novo Código do Direito canônico, é que se torna vigente para a Igreja Universal aquela fórmula canônica para a validade do casamento.
            No século XVI, no Concílio de Trento, juntamente com a exigência da forma que vimos acima, foi também reafirmada a indissolubilidade do Matrimônio e seu caráter monogâmico: uma esposa só. A sacramentalidade do Matrimônio, já admitida no 2º Concílio de Lião (1274), depois de ensinada implicitamente através dos séculos, é agora definida dogmaticamente pelo Concílio de Trento: “É um dos sete sacramentos instituídos por Cristo, confere a graça que significa e completa o amor conjugal dos cônjuges”.

6. - O que é o matrimônio?
            O Matrimônio é o sacramento da família, da vida familiar com Cristo. Ou ainda: é o sacramento que abençoa e consagra o homem e a mulher, num contrato sagrado e indissolúvel, para se amarem, procriarem e educarem seus filhos.
            Já vimos porque o Matrimônio é um sacramento: porque a união do homem e da mulher é o sinal, está na linha, na dimensão da união de Cristo com sua Igreja. Isto está muito claro na leitura de Ef 5,21-32.
            O Matrimônio abençoa e consagra a união do homem e da mulher: esse caráter sagrado, como vimos, é anterior a Ef 5,21-32: Deus já consagra essa união no início da Criação e os Profetas sempre a têm comparado co a união, o relacionamento de Deus com a Humanidade, como povo de Israel.
            Como sacramento, o Matrimônio tem um caráter, uma finalidade salvifica: santificar os esposos, santificar os filhos, santificar a família. O Matrimônio é recebido como sacramento cristão por duas pessoas já consagradas pelo Batismo. Portanto, o esposo e a esposa deverão dizer um ao outro: “Você é uma graça que Cristo me faz para me ajudar na minha santificação, na vivência do Plano de Deus”. E os filhos poderão dizer também: “Papai e mamãe são uma graça que Cristo nos dá para nos ajudar a sermos santos na realização do Plano, do Reino de Deus”. E o mundo, a Igreja toda deverá poder dizer: “Este casal, por sua vivência, lembra-nos e traz-nos a presença de Cristo unido à sua Igreja. É um Matrimônio que nos ajuda, com seu testemunho a realizar o Plano de Deus”.
            Aqui está a finalidade santificadora, salvifica do sacramento do Matrimônio. Queridos casais cristãos, vocês podem confirmar isso?

7. - Para se amarem e procriarem
            Como já vimos a definição do Matrimônio: “O Matrimônio é um sacramento que abençoa e consagra o homem e a mulher, num contrato sagrado e indissolúvel, para se amarem, procriarem e educarem seus filhos”.
            Quando Deus criou os primeiros homens, criou-os já adultos, segundo a Bíblia nos conta. Mas para a multiplicação do gênero humano. Deus “muda de idéia”, muda o plano. Deus quer realizar isso através de um ato de amor, de um acontecimento-amor. Aliás, depois que Deus repartiu com o Homem sua imagem e semelhança, fazendo do Homem seu filho, isto é, fazendo-o participante da própria vida e natureza divinas, pela Graça, pela filiação divina, daí para frente, Deus vai repartir tudo com o filho. O Filho não é aquele que recebe dos pais a natureza, a vida, a fisionomia que ele tem? Assim, depois que Deus fez do homem seu filho, como obra suprema da criação, tudo o mais será obra e manifestação desse amor. Assim também a multiplicação do gênero humano, a procriação, a geração dos seres humanos devem partir do amor, de uma to de amor. Deus já fizera o homem e a mulher para se realizarem “a dois”, “numa carne só”. A essa finalidade pessoal-essencial-fudnamental, Deus junta ou dela faz recorrer a outra finalidade social-essencial-fundamental do Matrimônio, por ele criada na origem: a procriação, a multiplicação do gênero humano. Deus torna fecundo o amor entre o homem e a mulher, e o fruto desse amor são os filhos.
            Portanto, Deus está repartindo com os homens (homem e mulher) o poder que lhe é único: o poder criador. Torna, por assim dizer, o homem e a mulher concriadores com ele, Deus. é a fecundidade do amor. Fecundidade do amor abençoado por Deus. Em casos particulares, por disposição e circunstâncias da própria natureza criada por Deus, poderá não se verificar a fecundação que o enlace do amor e a união dos corpos “numa só carne” permitiria: “e os suspirados filhos não vêm. Isto não impedirá a finalidade do Matrimônio: “para se amarem...”.

8. O significado das alianças[3]
            As alianças que marido e mulher usam na mão são sinais da fidelidade e da pertença um ao outro. Sendo fiéis um ao outro, os esposos dão provas de fidelidade ao Senhor. Amando-se estão amando a Deus. Na Bíblia existe uma passagem importante a esse respeito. Trata-se do dilúvio, do qual Noé e sua família são salvos (Cf. Gn 8). Depois do dilúvio, Deus abençoa a humanidade renovada (Cf. Gn 9,1-7; comparar com Gn 1,26-30), e renova a aliança com a família de Noé (Cf. Gn 9,8-11). O arco-íris é sinal da grande Aliança do Criador com suas criaturas (Cf. 9,12-17). O arco era uma arma de guerra. Mas Deus não usa uma arma que mata. Seu arco, sua “aliança” é um sinal de paz e reconciliação. É sinal de vida nova.
            As alianças que os esposos usam querem significar todo o amor que Deus sente pela humanidade. São um selo de fidelidade: Deus não castigará as pessoas, mas as tratará com misericórdia. Assim, quando o ministro do matrimônio (padre) benze as alianças que os esposos usarão na mão, está representando Deus que se recorda do seu contrato de amor conosco. O casal que é fiel a seu compromisso está sendo fiel ao Criador e tornando concreto e atual o contrato amoroso de Deus com seu povo.
            As alianças são um simples sinal. Muitos casais não as usam, mesmo assim, elas conservam seu significado. O mais importante, porém, é ser fiel a quem jurou fidelidade. Quem é infiel ao companheiro de casamento está quebrando a Aliança com Deus.

9. QUEM CELEBRA O MATRIMÔNIO?

            Costumamos ouvir: “O padre fez o casamento”. No entanto, quem realiza o matrimônio não é o padre: são os noivos. Eles são os ministros do próprio matrimônio. O padre (o diácono ou o leigo que serve de testemunha qualificada), representando a Igreja, abençoa – em nome de Deus – as promessas e os juramentos que os noivos fazem. Este é o único sacramento em que os ministros são os noivos, e não o padre ou o diácono ou leigo. Portanto, quem celebra o matrimônio são os noivos.

10. BIBLIOGRAFIA

 1.  BORTOLINI, José. Os Sacramentos em sua Vida. São Paulo: Paulus, 2002.
2.  RIBÓLLA, José, C. SS. R. Os Sacramento Trocados em miúdo. Aparecida-SP: Santuário, 1990.
3.  SCOLA, Ângelo. Mistério Nupcial. Bauru, SP: EDUSC; Salvador, BA: Pontifício Instituto João Paulo II para estudos sobre Matrimônio e Família, 2003.


[1] SCOLA, Ângelo. Mistério Nupcial, p. 11.
[2] RIBÒLLA, José, C. SS. R. Os Sacramento Trocados em miúdo. Aparecida-SP: Santuário, 1990, pp. 164-208.
[3] BORTOLINI, José. Os Sacramentos em sua Vida. São Paulo: Paulus, 2002, pp. 170-194.

Um comentário:

  1. Excelente artigo padre! Obrigada.

    Temos dois apostolados:
    www.modaemodestia.com.br
    www.namorocatolico.com.br

    Qual e-mail de contato por favor?

    Julie Maria

    ResponderExcluir