sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A Vocação Cristã

Pe. Márcio Pinheiro

Sabendo a importância de entendermos o significado da vocação cristã, procuraremos mostrar nesta pequena reflexão uma síntese das principais vertentes teológicas acerca da mesma, com a finalidade última de compreendê-la como dom de Deus e resposta do homem, isto é, como um diálogo. Vejamos:
·         A vocação como chamado à comunhão com a Trindade: A vocação é um chamado à comunhão com o Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Sendo assim, “cada vocação está ligada ao desígnio do Pai, à missão do Filho, à obra do Espírito Santo. Cada vocação é iluminada e fortalecida à luz do mistério de Deus”[1]; “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para ides e produzirdes fruto e para que o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16);
·         A vocação é um relacionamento: Ao realçar a dimensão trinitária compreendermos a vocação como relacionamento pessoal com Deus vivido no interior de uma comunidade bem concreta. Deus chama para um encontro com Ele, a partir das solicitações de um povo que sofre (Moisés). A vocação é, pois, uma “sedução” (Jeremias), uma “conquista do coração” (Oséias) por parte de Deus, para uma vida de intimidade, de comunhão com Ele. É um convite para ficar com Ele, para participar da sua vida (cf. 1 Ts 4,17; Jo 17,24; 1 Pd 5,1);
·         Vocação é um convite universal à santidade: Sendo convite para um relacionamento de intimidade com a Trindade, a vocação aparece também como chamado à santidade, isto é, à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Vocação é, pois, comportar-se como o Pai se comporta (Mt 5,48). Deus é santo porque é totalmente diferente das pessoas humanas e do mundo (Os 11,9; Is 55,8-9). Ele ama e acolhe as pessoas, especialmente os pequenos, os excluídos e excluídas (Is 41,14). A pessoa humana é chamada a participar da santidade divina (Lv 19,2; 1Pd 1,15-16; 2,9-10). A santidade consiste em ser perfeito no amor (Ef 1,4). O amor é o distintivo dos cristãos e cristãs (Jo 13,34-35; 15, 12-13.17). Ser santo ou santa significa fazer a diferença, ou seja, responder aos desafios de cada época com um amor sem medidas (Jo 15,14-15; Gl 3,25-29). Esta mesma santidade é vivida por caminhos diferentes em razão da diversidade dos carismas (1Cor 12,7; Rm 12,4-8; Ef 4,7) dos serviços e ministérios (1Cor 12,14-21; Ef 4,11-12);
·         A vocação é amar: A vocação é o chamado para amar, para servir (1Jo 4,7-21; Mc 10,45). Neste sentido compreendemos o escrito de Teresa de Lisieux: “Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno. Então, delirante de alegria, exclamei: ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor”;
·         A vocação é um chamado  à comunhão e participação: A vocação é amar, é servir, é relacionar-se com a Trindade, a partir do encontro, da relação com o próximo. Ela é comunicação, isto é, vida de comunhão e de participação. Responder ao chamado é inserir-se na vida da comunidade; é tomar parte ativa na construção do Reino. Vocação não é isolamento, busca de satisfações, de “realização pessoal”. Não é realização de “projetos pessoais”, mas o dar a vida pela defesa da vida (Jo 10,11; 15,13);
·         Pelos Sacramentos do Batismo, Confirmação e Eucaristia, Deus nos chama a ser povo: O documento de Puebla enfatizou bastante este aspecto da vocação ao afirmar: “O chamamento para sermos povo seu, chama-se comunhão e participação na missão e na vida da Igreja e, portanto, na evangelização do mundo” (P, 852). Somos chamados e chamadas a ser povo, a comungar, a participar na vida e na missão da comunidade eclesial;
·         A vocação é um chamado a viver a comunhão entre nós:  A visão de vocação como chamado à comunhão e participação nos leva a descobrir que faz parte da essência da vocação o desejo, a vontade, o compromisso de “reproduzir” na Igreja e no mundo o tipo de relacionamento que existe no seio da Trindade. Portanto não pode ser sincero um relacionamento de comunhão com Deus quando ele não se repercute também no relacionamento com os irmãos e irmãs (1Jo 4,20). Assim sendo, não é autêntica aquela vocação que não se abre à solidariedade. Ela é o sinal mais claro de que estamos realmente vivendo numa intensa comunicação com a Trindade (P, 215); não é possível, pois, falar-se de vocação verdadeira, deixando de lado as exigências da natureza humana.

Em suma, Vocação do(a) cristão(ã) leigo(a) é a vocação básica, enquanto é a vocação batismal, da qual dependem as vocações de especial consagração. O específico da vocação cristã, laical, é a índole secular, a laicidade, entendida como inserção nas realidades temporais, participação nas atividades terrenas, evitando qualquer tipo de reducionismo ao “intra-eclesial” (SD, 97). Há um compromisso de transformação da sociedade. A vocação cristã é o chamado a seguir Jesus Cristo, a viver o nosso batismo, o apelo à santidade, através de uma participação ativa na vida da comunidade. É o viver em comunhão com Deus na comunhão e cooperação com os demais irmãos e irmãs. Exige de nós o compromisso e o engajamento.
Nos devemos viver a dimensão batismal da nossa vocação na sua tríplice missão: profética, sacerdotal e real. Sabemos que existe uma variedade de vocações, de carismas, mas todos e todas possuem a mesma dignidade. Ninguém é superior a ninguém, ninguém é melhor do que ninguém(LG, 32). Isto mostra também que todos e todas, na Igreja, são chamados e são chamadas ao apostolado. Todos e todas temos a mesma missão.


[1] 2º Congresso Internacional das Vocações, Documento Conclusivo, n.º 7.

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